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‘Venda de olho’: funcionário aceitava termos por usuários – 26/01/2025 – Tec

A jornada de cadastro dos dados da íris para receber mais de R$ 600 em um ano começa no aplicativo de celular World App. Durante o registro, a pessoa precisa aceitar um contrato, para consentir que o projeto, patrocinado pelo CEO por trás do ChatGPT, Sam Altman, trate as informações biométricas.

Em dois dos pontos de coleta no bairro de Pinheiros, na capital paulista, a Folha testemunhou funcionários da rede World aceitando as condições de uso no lugar das pessoas que cederam a biometria ocular no processo de criação da identidade digital World ID.

Um possível prejuízo à manifestação livre do titular, condição primordial para que a hipótese legal do consentimento seja utilizada de forma adequada, foi o principal argumento da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) na medida preventiva aplicada na sexta-feira (24), que suspendeu a oferta de pagamento pelas informações da íris.

A aceitação dos termos de tratamento de dados deve estar “isenta de qualquer mecanismo que possa explorar as fragilidades ou vulnerabilidades do titular”, diz o regulador na decisão.

A empresa responsável pelo projeto, Tools for Humanity (TfH), tem cinco dias úteis para interromper a prática e dez dias corridos para recorrer contra a decisão.

Embora seja a TfH quem responda legalmente pela coleta de dados, quem realiza o registro são empresas terceirizadas, de acordo com documento mencionado no processo de fiscalização aberto pela ANPD em novembro.

Em nota enviada à reportagem, a rede World diz que “todos os operadores de rede de terceirizados, antes de serem autorizados a operar, passam por treinamentos e por um rigoroso processo de conheça o seu cliente (KYC, Know Your Client)”. O KYC é uma prática de compliance para verificar o histórico de alguém em uma relação comercial.

O projeto recruta os operadores usando um formulário em seu site, “preenchível em menos de um minuto”. Depois, entrevista os interessados, que, caso sejam aprovados, recebem um orb, o computador esférico usado para coletar os dados da íris, e passam por “um treinamento extenso”.

A World começou a operar no Brasil em 12 de novembro, com oito estandes de coleta. Pouco mais de dois meses depois, já são 50 pontos operando na capital paulista e há planos para levar a operação para outras cidades do país. Mais de 400 mil brasileiros já registraram a íris, segundo a TfH.

Segundo a empresa, processo de criação do World ID, que visa a atestar que alguém é um humano e não um robô, está em conformidade com todas as leis e regulamentos do Brasil. A TfH afirma que anonimiza todos os dados com um método de criptografia avançada.

“Os novos códigos de íris são fracionados por meio de uma técnica conhecida como Computação Multipartidária Anonimizada (AMPC). Esses fragmentos não revelam informações sobre o indivíduo e são armazenados em bancos de dados operados por terceiros confiáveis, como a Universidade Friedrich Alexander Erlangen-Nürnberg, na Alemanha.”

Uma das preocupações do regulador brasileiro é que exista clareza para a pessoa que cadastre a biometria ocular do que será feito com essa informação. “Múltiplos aspectos podem prejudicar a efetiva compreensão e decisão, pelo titular, sobre o tratamento de seus dados, a exemplo de acentuadas assimetrias informacionais e de padrões tendenciosos em sites da internet”, afirma o documento assinado pelo coordenador de fiscalização da ANPD Jorge André Fontelles de Lima.

Outra preocupação da autarquia é a “irreversibilidade ou difícil reversão” da coleta da biometria ocular.

A rede World cria, a partir da imagem da íris, um código numérico, que é embaralhado e gravado em um sistema de blockchain. Nessa tecnologia, os computadores precisam, para resgatar o dado original, montar uma espécie de quebra-cabeças que só funciona se estiver com todas as peças íntegras —ou seja, nenhuma informação pode ser apagada.

O projeto argumenta que as fotografias dos olhos são criptografadas e armazenadas apenas no celular do usuário, junto a uma chave criptográfica individual.

A TfH ainda pode acessar as informações no celular, desde que o aplicativo esteja baixado e tenha permissões para editar pastas e arquivos, diz o professor da Escola Politécnica da USP Marcos Simplício.

A rede World remunera periodicamente os usuários que mantêm o app instalado. O registro garante o pagamento de 25 Worldcoins em 24 horas, às quais se somam depósitos por um ano. A soma final é de 48,5 criptomoedas, hoje avaliadas a R$ 12,75 —R$ 618, no total.

Quando abriu investigação contra a Tools for Humanity, a ANPD também pediu uma avaliação de riscos do tratamento de dados e os mecanismos adotados em relação a crianças e adolescentes.

Durante o processo de registro no World App, o usuário recebe a instrução de que o cadastro da íris só será realizado mediante apresentação de documento com foto. “Essa medida está em vigor desde o princípio de nossas operações, para evitar que menores se verifiquem, pois menores de idade não estão autorizados a participar do projeto”, diz a TfH.

Nos pontos de coleta visitados pela reportagem, entretanto, os operadores não pediam às pessoas que mostrassem seus documentos de identificação.

Na medida preventiva, a ANPD ainda não abordou o tratamento de dados de menores de idade.

Visto primeiro na Folha de São Paulo

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