As tarifas anunciadas pelo governo Trump na última semana pegaram a Nintendo de surpresa. A medida, divulgada no dia em que foi revelado o preço de US$ 499,99 (cerca de R$ 2.500) para o seu novo console, o Nintendo Switch 2, levou a empresa a adiar o início da pré-venda do aparelho nos EUA, que começaria no próximo dia 9.
A medida gerou preocupação no Brasil, já que, por questões logísticas, o preço do console no país costuma ser influenciado pelo custo nos EUA. Doug Bowser, presidente da Nintendo of America, porém, diz que o mercado brasileiro deve ser menos atingido pela taxação.
“Quanto ao nosso negócio na América Latina e no Brasil, com base nas decisões de ontem [dia 2], esses serão menos impactados e esperamos que continue assim”, afirmou à Folha na última quinta-feira (3).
Segundo a Nintendo, o preço de venda do Switch 2 ainda não foi estabelecido para o Brasil e para o restante da América Latina. Neste momento, a empresa está negociando os valores com suas parceiras para distribuição do console na região.
O executivo ainda defendeu o aumento dos preços dos jogos do Switch 2 —de US$ 60 para até US$ 80. Segundo ele, a Nintendo passará a estabelecer o valor de forma variável, dependendo da profundidade e complexidade de cada título.
A Nintendo vem traduzindo mais jogos para o português do Brasil, demonstrando maior interesse pelo mercado brasileiro. O que fez a empresa mudar sua estratégia no país?
Sabemos que há uma base de jogadores muito, muito leal no Brasil. Vimos isso tanto quando tínhamos nossa representação formal no país quanto quando ela era informal [de janeiro de 2015 a setembro de 2020 a Nintendo ficou sem representação oficial no Brasil]. Tivemos que começar primeiro encontrando uma maneira de trazer efetivamente nosso hardware para o território. Abrimos nossa eshop e então começamos o processo de localização, que achamos muito importante.
Como tem sido a resposta do público?
Muito positiva. Tenho muitos seguidores brasileiros no X e percebo quando eles estão satisfeitos com nossas ações e também não estão tão felizes. Ouvi de forma muito consistente o desejo de que localizemos mais e mais jogos. Adoramos os “Nintendistas” e sua paixão por tudo relacionado à Nintendo. Vimos sua participação na Brasil Game Show e em outras exposições e gostamos muito.
Quão importante é o mercado brasileiro para a Nintendo hoje?
Nosso foco tem sido em duas áreas: crescimento orgânico no Sudeste Asiático e crescimento orgânico na América Latina. Como parte da América Latina, acredito que o Brasil seja nossa maior oportunidade do ponto de vista de crescimento. A população do Brasil é muito grande e queremos agradar o máximo possível da população. Então, é uma prioridade.
Quais são as maiores dificuldades da Nintendo no Brasil? Em que vocês ainda buscam melhorar?
Acho que na acessibilidade aos nossos produtos. O mercado brasileiro é grande. Como garantimos que os consumidores possam encontrar produtos onde vivem e possam acessar esses produtos de maneira fácil? A maior parte do nosso trabalho será em torno da cadeia de suprimentos para garantir que possamos trazer os produtos, tê-los no varejo, torná-los acessíveis aos consumidores. É um grande esforço.
No início de março a Nintendo aumentou o preço dos seus jogos no Brasil em até 20%. O que levou a empresa a realizar esse ajuste?
Muitos fatores. Uma das coisas que sempre tentamos observar, no entanto, são o que eu chamaria de mudanças cambiais sustentadas. Sabemos que no Brasil ou em qualquer país, há flutuações cambiais e isso acontecerá. Estamos tentando criar preços que sejam justos para os consumidores, mas que também não criem diferenças injustas, por assim dizer, entre os países. Nosso objetivo, no entanto, é sempre ter preços que sejam acessíveis aos consumidores.
Houve muita reclamação sobre o preço de lançamento do Nintendo Switch 2 [US$ 449,99] e dos seus jogos. Você pode explicar a lógica por trás dessa nova faixa de preços?
O Switch 2 traz aqueles recursos que você ama no Switch, mas introduz uma série de melhorias. Os novos recursos dos Joy Cons , o Game Chat, o novo poder de processamento. Há um custo que vem com isso. Tentamos equilibrar o aumento de custo do desenvolvimento e suas capacidades com o ponto de preço certo para o consumidor.
O mesmo se aplica aos jogos. Não estamos tentando estabelecer um preço fixo para todos. Olhamos para cada um e determinamos [o preço], de acordo com a profundidade, o desenvolvimento que foi feito no jogo e sua durabilidade, ou seja, por quanto tempo ele pode ser jogado. Por exemplo, aqui nos EUA, o preço que anunciamos ontem foi de US$ 79 [R$ 445] para “Mario Kart World”, mas “Donkey Kong Bananza” será precificado em US$ 69 [R$ 388]. É um preço variável, que estaremos analisando à medida que avançamos.
O governo Trump anunciou uma série de novas tarifas. Isso ainda pode impactar o preço do Switch 2 nos EUA? Pode haver consequências para o Brasil?
É um pouco complexo. O preço que anunciamos levou em consideração as tarifas que já haviam sido anunciadas. As notícias de ontem [dia 2] vieram mais tarde. Assim como muitas empresas nos EUA, estamos avaliando qual pode ser esse impacto e quais ações precisaríamos tomar. Não quero especular sobre o que isso pode ser. Quanto ao nosso negócio na América Latina e no Brasil, com base nas decisões de ontem, esses serão menos impactados e esperamos que continue assim.
Nos últimos anos, o mercado de jogos desacelerou, resultando em demissões. Isso impactou o lançamento do Switch 2?
Não teve nenhum impacto no nosso trabalho. Acredito que os videogames são a forma de entretenimento mais popular. E continuarão a ser. Em qualquer outra forma de negócio de entretenimento, há altos e baixos, ou ciclos, se preferir. Passamos por um ciclo muito forte durante a pandemia e diminuiu um pouco depois, mas o número de consumidores jogando ainda é muito maior do que antes . Acho que oportunidades, como o Switch 2, nos ajudarão a continuar a crescer a indústria.
A Nintendo continuará a dar suporte ao Switch 1?
Sim. Ainda há demanda na América Latina e no Brasil, e estamos vendo isso até aqui nos EUA. Obviamente, colocaremos muito esforço em ajudar os consumidores a entender os benefícios do Switch 2, mas se eles ainda procurarem um Nintendo Switch, também o disponibilizaremos.
Quais são suas expectativas comerciais para o Switch 2? Acredita que ele replicará o sucesso do primeiro?
Sou cuidadoso ao compará-lo com plataformas passadas. Minha esperança é que os consumidores vejam o poder que está dentro do dispositivo, o valor nisso e que tenhamos um lançamento bem-sucedido.
Trump vem fazendo pressão para que as empresas americanas cortem suas políticas de diversidade. A Nintendo já mudou algo?
Sempre queremos atrair os melhores talentos que podemos e reter esse talento. Também acreditamos que é importante que esses talentos sejam diversos do ponto de vista de suas origens, suas experiências e seus entendimentos porque nossos jogadores são diversos. Então nos esforçamos para ter uma diversidade que reflita nossos jogadores em nossa organização. Isso é algo que está em vigor há anos, antes de as pessoas realmente começarem a usar a sigla DEI [diversidade, equidade e inclusão]. E isso continuará em vigor. É importante para nós.
O que você acha da IA no desenvolvimento de jogos?
Como líder empresarial, acho que há muitas maneiras de isso acelerar nossa produtividade. Do ponto de vista do desenvolvimento, o que você sempre ouvirá da Nintendo é que olhamos para uma tecnologia e entendemos como essa tecnologia pode melhorar a experiência de jogo. A IA é uma dessas coisas. Haverá usos para a IA, mas também acreditamos muito fortemente que é uma parte da experiência. Ainda acreditamos que designers, artistas e desenvolvedores são os que realmente fazem a diferença.
Raio-X | Doug Bowser, 59
Desde abril de 2019 é presidente da Nintendo of America, subsidiária responsável pela operação da Nintendo em todo o continente americano. Chegou à empresa japonesa em 2015, como vice-presidente de vendas e marketing após passagens pela Electronic Arts e Procter & Gamble, onde foi executivo de vendas para a América Latina. É formado em comunicação pela Universidade de Utah, nos EUA.