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Sucesso de transistor da computação quântica é incerto – 21/02/2025 – Ciência

A Microsoft causou estardalhaço na última quarta-feira (19) ao anunciar que teria conseguido desenvolver as bases para a computação quântica topológica, um avanço que pode, ao menos em princípio, levar essa tecnologia à aplicação prática.

A ideia básica da computação quântica é usar propriedades de partículas como bits, unidades mínimas de informação, transformando interações entre elas em processamento. A premissa é atraente porque partículas elementares podem exibir uma condição conhecida como “sobreposição de estados”, em que elas conservam todas as propriedades possíveis ao menos até serem observadas.

Com isso, em contraste com os bits clássicos, que só podem ser zero e um, os quantum bits, ou qubits, poderiam ser zero e um ao mesmo tempo. Em computação, esse recurso permitiria processar informação não de forma linear (sequências de zeros e uns), mas de forma paralela (com zeros e uns sendo processados ao mesmo tempo, pelo mesmo sistema). Para certos problemas matemáticos, essa seria uma vantagem insuperável, permitindo que computadores quânticos fizessem cálculos em segundos que levariam décadas em máquinas convencionais.

O DRAMA DOS COMPUTADORES QUÂNTICOS

Ao longo dos últimos anos, grandes empresas e centros de pesquisa têm feito avanços nessa direção, chegando a criar sistemas com até mil qubits. Porém, esse número ainda é pequeno para ser útil em problemas reais. Os pesquisadores sabem que é preciso escalar o sistema. E isso entra em forte conflito com a própria natureza dos estados quânticos, que perdem sua sobreposição com relativa facilidade. Na prática, os qubits até hoje se mostraram pouco confiáveis, com grandes taxas de erros.

Aí é que entra o anúncio da Microsoft, que veio acompanhado de um artigo científico na revista Nature: de acordo com o grupo de pesquisa da big tech, eles conseguiram pela primeira vez desenvolver o que chamam de qubits topológicos.

Eles são baseados em outro conceito maluco da mecânica quântica, que diz respeito a como certos estados de excitação da matéria podem se manifestar como se fossem partículas, sem de fato o serem. São as quasipartículas.

O trabalho da Microsoft se baseia num tipo específico delas, as quasipartículas de Majorana. Um aspecto notável delas é que seu estado registra o número de vezes que dão voltas uma em torno da outra.

“Isso é descrito como uma característica topológica, porque não importa a que distância a volta foi dada, nem outros detalhes de como isso foi feito, mas apenas o número de voltas”, explica Roberto Baginski, professor de física da FEI (Fundação Educacional Inaciana), em São Bernardo do Campo (SP), pesquisador brasileiro não envolvido com o trabalho.

“Por mais estranha que essa característica seja, uma das grandes consequências é que o estado da quasipartícula é mais protegido dos efeitos deletérios do ruído causado por interações com outras partículas ou quasipartículas, pela radiação eletromagnética ou pelo calor, o que seria ideal para construir qubits de qualidade para a computação quântica”, completa.

Na prática, é um sistema que permite maior estabilidade dos qubits e viabiliza, ao menos em tese, que os computadores quânticos ganhem escala, o que pode torná-los úteis para aplicações práticas.

IMPORTÂNCIA VERSUS CONFIANÇA

Para Rafael Chaves, pesquisador do Instituto Internacional de Física da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) que trabalha em informação quântica com apoio do Instituto Serrapilheira, também sem relação com o estudo da Microsoft, o desenvolvimento pode ser o equivalente para computadores quânticos do que foi o transistor para a computação tradicional.

“Pensando na história da computação, desde os anos 1940, as primeiras máquinas feitas de dispositivos eletromecânicos, extremamente ruidosos e cheios de erros; e aí veio a válvula a vácuo, que era grande, lenta, ruidosa, também cheia de erros; aí vieram os materiais semicondutores e a gente construiu os transistores, que são as unidades básicas de armazenamento e processamento de informações. Foi o que permitiu a criação de chips muito mais rápidos e menores, que são a razão para o crescimento exponencial que temos tido no poder de processamento. Esse novo dispositivo da Microsoft, caso se confirme, seria como o transistor da computação quântica.”

É um grande “se”, contudo. A verdade é que, apesar do anúncio espalhafatoso, o trabalho publicado na Nature reflete apenas parcialmente as afirmações da empresa. “O que a Microsoft indica ter conseguido é criar um qubit topológico em um material supercondutor”, diz Baginski. “O artigo publicado revela indícios que seriam esperados da existência de um qubit topológico, mas não mostra resultados decisivos.”

E sabe como é, pesquisador escaldado tem medo de água fria. Essa é a segunda vez que a Microsoft anuncia ter feito esse avanço pela primeira vez. Em 2018, um grupo da companhia acreditou ter detectado evidências das quasipartículas de Majorana, base dessa tecnologia. “Um fato que depois se mostrou errado. A análise de dados que eles fizeram não foi a mais correta e tiveram de retratar o artigo [o que equivale a anular a publicação]”, lembra Chaves.

Só o futuro e o escrutínio da comunidade científica dirão se agora a coisa é para valer.

Visto primeiro na Folha de São Paulo

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