O presidente Joe Biden deve assinar nesta quarta-feira (24) uma lei que poderá obrigar a empresa chinesa controladora do TikTok a se desfazer do aplicativo nos Estados Unidos, em meio às tensões entre Washington e Pequim.
A legislação, aprovada pelo Congresso dos EUA nos últimos dias, faz parte de um pacote de segurança de US$ 95 bilhões, composto principalmente por financiamento para Ucrânia, Israel e Taiwan.
O TikTok deverá ser proibido nas lojas de aplicativos, a menos que a plataforma seja vendida pela ByteDance, sediada em Pequim, o que gerou um debate sobre liberdade de expressão e segurança de dados.
O amplo apoio à medida sinaliza um acordo generalizado em Washington de que o TikTok representa uma ameaça à segurança nacional enquanto for de propriedade da ByteDance.
Em responta, o TikTok prometeu tomar medidas legais para ignorar a legislação.
Entenda mais sobre o processo abaixo.
Como funcionaria a proibição?
Depois de assinada por Biden, a proibição entrará em vigor em 270 dias, a menos que a ByteDance venda o TikTok para uma empresa não chinesa. Se não, o acesso seria bloqueado nos EUA.
A lei funcionaria impondo penalidades civis às lojas de aplicativos, como a App Store da Apple e o Google Play, se distribuírem ou atualizarem o TikTok. Os provedores de serviços de internet também seriam obrigados a bloquear o acesso ao TikTok na web.
Embora as lojas de aplicativos e os provedores de internet sejam proibidos de oferecer o acesso, os usuários não serão alvo de qualquer aplicação legal.
Uma proibição nacional de um aplicativo ou site é algo inédito nos EUA —embora tenha havido alguns precedentes em níveis estadual e federal nos últimos anos.
O estado de Montana aprovou uma lei no ano passado para proibir o TikTok, também forçando sua remoção das lojas de aplicativos acessadas de dentro do estado. No entanto, ela foi bloqueada por um juiz federal em novembro, antes de entrar em vigor em 1º de janeiro. Montana está recorrendo da decisão.
O governo americano e outros estados proibiram separadamente o TikTok em dispositivos de propriedade do governo na tentativa de manter os dados dos EUA seguros da China. O Canadá e instituições de formulação de políticas na UE emitiram diretrizes semelhantes.
O que significaria a proibição para os usuários?
O aplicativo TikTok já foi baixado em milhões de telefones nos EUA —seu maior mercado global – e não desapareceria desses telefones se a proibição entrar em vigor. No entanto, os usuários existentes não poderiam atualizar o aplicativo nem baixá-lo novamente se o excluíssem.
Ao bloquear o acesso a atualizações, o aplicativo se tornaria obsoleto com o tempo, mas as pessoas não deixariam de usá-lo da noite para o dia. O TikTok ainda poderia ser acessado por usuários que contornassem a lei usando redes privadas virtuais que criptografam o tráfego da internet e ocultam endereços IP.
Uma proibição nos EUA teria um impacto enorme no mercado de comércio eletrônico do TikTok para grandes marcas e pequenas empresas. O aplicativo tornou-se o maior player no crescimento do chamado “social commerce” , em que algoritmos promovem produtos personalizados aos interesses dos consumidores individuais, assim como do “shoppertainment”, no qual os anúncios são mesclados perfeitamente ao conteúdo de entretenimento.
O TikTok afirma que é usado por mais de 7 milhões de pequenas empresas nos EUA e teria taxas de engajamento mais altas do que outras plataformas de mídia social, o que significa que oferece às marcas uma maior chance de sucesso viral, além de acesso a mais de 1 bilhão de usuários ativos mensais globalmente.
Uma proibição poderia ser benéfica para concorrentes diretos no “social commerce”, como o Instagram Shopping e o Amazon Inspire, lançado em 2022. Ela também poderia beneficiar outras plataformas de mídia social se os usuários recorressem a aplicativos alternativos em busca de experiências semelhantes.
A plataforma também se tornou uma grande fonte de notícias nos EUA: um terço dos adultos com menos de 30 anos dizem que obtêm suas notícias na plataforma, de acordo com o Pew Research.
O TikTok realmente representa um risco aos EUA?
O governo chinês tem controle significativo sobre empresas que operam em sua jurisdição, incluindo a capacidade de forçá-las a entregar dados relacionados à segurança nacional. Isso cria o potencial para o TikTok ser usado pela China em sua estratégia de inteligência, embora não haja evidências de que os dados comerciais do TikTok tenham sido usados dessa forma.
Como parte de um plano para evitar a possível venda da operação, o TikTok nos últimos três anos gastou mais de US$ 1,5 bilhão trabalhando no “Projeto Texas”, um plano de reestruturação corporativa para proteger os dados e conteúdos dos usuários dos EUA da influência chinesa por meio de uma parceria com o grupo americano de software em nuvem Oracle.
A unidade independente, que isola voluntariamente os dados americanos, está em funcionamento, mas não conseguiu convencer os legisladores dos EUA de que o aplicativo é seguro. O TikTok coleta vastas quantidades de informações pessoais de seus usuários nos EUA que o ajudam a enviar conteúdo e anúncios direcionados.
Especialistas em segurança cibernética identificaram a capacidade do TikTok de rastrear a localização dos usuários, listas de contatos, detalhes pessoais e endereços IP, e uma cláusula em sua política de privacidade que permite a coleta de dados biométricos, incluindo “impressões faciais e de voz”, como potenciais riscos à privacidade e à segurança nacional mais ampla. No entanto, vários pesquisadores de privacidade concluíram que o TikTok não coleta mais dados do que outras redes sociais populares.
O diretor executivo do TikTok, Shou Zi Chew, afirmou que o governo chinês nunca pediu dados ao TikTok e que se recusaria a tal solicitação. Mas ele admitiu que funcionários baseados na China na ByteDance podem ter acesso a alguns dados dos EUA do aplicativo.
Também há preocupações de que a capacidade de Pequim de acessar os algoritmos do TikTok possa permitir influenciar o que os usuários veem na plataforma, incluindo a disseminação de desinformação e propaganda, o que seria um problema especialmente significativo durante um ano eleitoral nos EUA.
O que o TikTok pode fazer para evitar a proibição?
Michael Beckerman, chefe do setor de políticas públicas do TikTok nos EUA, disse à equipe esta semana que a empresa pretende “recorrer aos tribunais para um desafio legal”. Isso precisa ser feito dentro de 165 dias após a lei entrar em vigor.
A empresa processou os EUA em 2020, quando o presidente Donald Trump emitiu uma ordem executiva para bloquear o aplicativo de operar no país e deu à ByteDance 90 dias para se desfazer de seus ativos americanos e de quaisquer dados que o TikTok havia coletado nos EUA. Um juiz bloqueou horas antes de entrar em vigor, e Biden revogou a ordem de Trump quando assumiu o cargo.
A maneira mais óbvia para o TikTok evitar uma proibição é por meio de uma venda que separe o aplicativo e seus dados de usuários dos EUA de sua empresa-mãe chinesa. No entanto, isso é improvável.
Em 2020, a China atualizou suas regras de controle de exportação que, na prática, dão a Pequim a palavra final em qualquer acordo que venda tecnologia chinesa a um comprador americano. No ano passado, o ministério do comércio da China disse que “se oporia firmemente” a uma venda forçada do TikTok.
Chew propôs várias medidas alternativas a uma venda para acalmar as preocupações de segurança nacional dos EUA, incluindo o plano do Projeto Texas e uma possível listagem no mercado de ações americano do TikTok.