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O que o Brasil quer da inteligência artificial? – 07/04/2024 – Ronaldo Lemos

O Senado anunciou que quer aprovar um projeto de lei regulando a inteligência artificial até o final de abril. Essa afirmação é espantosa. Não existe ainda consenso sobre o tema. Há concordância com relação a seus problemas, mas ninguém sabe ao certo quais remédios aplicar. Nesse cenário incerto, fica claro que a sociedade deveria estar mais próxima do desafio de regular a inteligência artificial.

Para começar, o projeto em análise no Senado tem um problema fundamental. Ele se inspira no modelo legislativo desenvolvido na Europa, o chamado AI Act (Lei de Inteligência Artificial de lá). O que é bom para Europa é bom para o Brasil? Isso pressupõe que o remédio lá criado funcionaria aqui. Há quem diga que, por não conseguir exportar tecnologia, a região passou então a exportar legislação sobre tecnologia.

Outro problema é que a sociedade está até agora fora do debate regulatório. Os diversos setores econômicos, a academia, a sociedade civil ou a comunidade científica e as pessoas em geral não puderam ainda contribuir para o texto. As consultas realizadas não foram suficientes. Na redação dos textos finais predomina a caneta dos advogados.

Vale lembrar que a lei europeia de IA nem sequer foi testada, já que começa a vigorar na sua totalidade só em 2026. Se o Senado votar uma lei parecida com ela, teremos um curioso caso de importação premonitória: a adoção de uma lei cujos efeitos são desconhecidos até mesmo no seu lugar de origem.

Para regular a inteligência artificial é preciso antes responder: “O que o Brasil quer da inteligência artificial?”. Toda a regulamentação deve ser feita a partir da resposta a essa pergunta. E a resposta deve vir da sociedade. Somente por meio de uma participação ampla conseguiremos lidar com a complexidade da inteligência artificial, já que ela afeta a vida de todos nós.

O Brasil certamente quer proteção quanto aos problemas que a IA pode trazer. Por isso, o Tribunal Superior Eleitoral já regulamentou o ponto mais urgente: o impacto da IA sobre as eleições de 2024, incluindo as deepfakes. Ao resolver esse ponto de ação imediata, o TSE nos deu o tempo necessário para tratar dos outros temas estruturantes, incluindo a estratégia e a competitividade do país em face da IA. São assuntos a serem ponderados com calma. Não há pressa que se justifique neste momento.

Além disso, o Tribunal de Contas da União publicou na sexta um importante relatório em que critica duramente o projeto de lei em curso no Senado. Nas palavras do TCU: “O projeto enfatiza aspecto temerário quanto à IA no país, em detrimento da adoção de diretrizes capazes de promover o desenvolvimento responsável da tecnologia. A regulação desproporcional pode acarretar o gasto excessivo de tempo e dinheiro para o cumprimento de regras complexas, em vez de promover o investimento em desenvolvimento tecnológico”.

Será uma decepção se o caminho para regulamentar a IA entre nós for derivado de um modelo feito alhures. Será também decepcionante se a sociedade não participar de verdade desse processo. Vale lembrar que a própria lei europeia precisou de quatro anos para ser feita, auxiliada por vários comitês da sociedade. Os EUA estão com ampla consulta pública para regular o tema. Taiwan criou um ambicioso processo para ouvir toda a população para regular a IA. O Brasil também já fez isso com o Marco Civil. Está na hora de a sociedade retomar o seu papel na regulamentação deste que é um dos temas mais importantes do presente.

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Já era – Regulamentar a inteligência artificial sem contribuições mais amplas da sociedade

Já é – Países que ousam construir o seu próprio caminho na regulamentação da IA

Já vem – Sociedade brasileira se organizando para participar da regulamentação da IA


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Visto primeiro na Folha de São Paulo

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