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O futuro da web, para leigos – 10/03/2024 – Tec

Os experts em tecnologia e inovação já estão circulando em ambientes virtuais complexos, onde a informação é distribuída de forma independente, sem a necessidade de passar pelo controle de uma rede centralizada para chegar onde precisa (blockchain).

Nós, o “povão”, no entanto ainda tateamos este tabuleiro de jogo cheio de ilusão, esperança e receio.

Os avanços trarão emancipação aos usuários ou estes serão devorados como presas fáceis nas garras das “big techs”?

A ideia de que o aprimoramento da tecnologia se traduzisse numa mudança radical em termos de autonomia para o usuário ficou suspensa até que os protocolos de consenso do blockchain possam prevalecer!

As previsões eram, a princípio, animadoras pois parecia que o poder de comunicação deixaria de ficar restrito aos seletos grupos de donos das redes e seria transferido, de fato, a qualquer pessoa, o que começou a acontecer quando músicos, por exemplo, puderam lançar suas composições fora do monopólio das gravadoras, ou comediantes criando seus próprios canais.

Mas essa mudança de eixo, que parecia ser inevitável, não aconteceu. Faltou regulamentação e com a chegada da IA (inteligência artificial), tal cenário favorável foi ficando cada vez mais distante.

Quando a internet apareceu houve uma esperança real de que a democratização da informação, manifestada num cenário menos injusto, estivesse se delineando de modo a oferecer oportunidades para quem ocupa a base da pirâmide.

O engenheiro de computação Paul Baran fez gráficos, nos anos 60, que mostravam estruturas de redes de computação centralizada, descentralizada e distribuída. Se fizermos uma análise lógica a partir deles, temos uma trajetória da mudança do exercício de poder migrando efetivamente do individual para o coletivo.

Para entendermos melhor, proponho uma reflexão fazendo uma analogia livre a partir da época das redes centralizadas.

As regras do jogo eram ditadas por quem estava no centro do poder: o rei ou imperador organizava seu governo e impunha suas decisões sustentado por forças militares.

O poder era exercido de forma vertical, de cima para baixo, e quem ousasse divergir era visto como inimigo a ser impedido, excluído, executado. As regras eram cumpridas sem que as usurpações e assédios fossem nem ao menos percebidas como tal.

A ordem mundial era mantida a partir de métodos abusivos, nos quais o “senhor” se colocava como dono de seus objetos de exploração. Escravidão, colonialismo, negação dos direitos femininos e uma lista interminável de abusos.

Com o aparecimento das redes descentralizadas abriu-se a possibilidade de avanços condizentes com os da época da Revolução industrial. Neste período, a máxima “manda quem pode, obedece quem tem juízo” começou a perder força e as práticas predatórias não podiam mais acontecer impunemente…apenas de modos que fossem aceitos pelo mercado.

Alguns presidentes de corporações seguiram ditando as regras, que passaram a ser reguladas de acordo com os interesses dos grupos detentores do poder político, financeiro e assim por diante.

O avanço tecnológico acelerou o jogo de forma exponencial e a evolução da web parecia nos encaminhar para um momento favorável em que chegaríamos à extinção das reproduções de abusos, uma vez que o poder estaria em todo lugar.

Com a possibilidade dos grupos poderem se organizar diretamente, sem a necessidade de legitimação de nenhum “dono do poder”, a manutenção das práticas de exploração, opressão e dominação estariam com os dias contados.

Só que os gigantes da tecnologia optaram por reproduzir um modelo parecido com o antigo, de modo a agir como se fossem donos do conteúdo exibido em suas redes. Ou seja, optaram pelos modos abusivos e os produtores de conteúdo nas redes ficaram “amarrados”, como escravos, com acesso limitado ao lucro gerado por suas próprias criações.

Uma palestra no SXSW, em especial, abordou de forma brilhante o tema. Chris Dixon, fundador da A16z e autor do livro “Read Write Own”, falou sobre como deverá ser construído o futuro da internet.

Num apanhado rápido sobre as fases da web, temos a inicial, que era estática e foi caracterizada por sites básicos com interatividade limitada. Os usuários eram principalmente consumidores passivos de conteúdo, e havia poucos conteúdos gerados pelo usuário; era a fase “read”.

Na segunda fase —Web 2.0,— tivemos uma mudança para experiências online mais dinâmicas e interativas (fase “write”). Plataformas de mídia social, blogs e ferramentas colaborativas surgiram, incentivando a criação de conteúdo pelos usuários e a interação social. A Web 2.0 enfatizou a colaboração, o compartilhamento e a participação comunitária, mas quando isso aconteceu, em vez de nos encaminharmos para a fase “own” e nos tornarmos autônomos, o que aconteceu foi o contrário.

A Meta (dona do Facebook) praticamente dominou o mundo ao lado da Apple, da Google e da Amazon, e nós ficamos presos na rede como insetos a serem devorados pelos predadores.

Um dado interessante: a quantidade de pessoas no planeta com acesso à internet através de um smartphone é maior do que a de pessoas com acesso a saneamento básico e, com isso, a média de tempo que as pessoas ficam online aumentou imensamente, chegando a 6 horas por dia. Isso sem falar na “geração do quarto” que fica bem mais que isso e já não consegue se relacionar presencialmente…mas isso é um assunto para outro artigo.

Com a chegada da Web 3.0, que visa aprimorar as capacidades da internet tornando os dados mais interconectados e compreensíveis para as máquinas, envolvendo tecnologias como inteligência artificial, aprendizado de máquina e blockchain, vivemos mais uma ameaça.

A Web 3.0 pretende criar uma experiência mais inteligente na web, mais personalizada e também é concebida para possibilitar serviços mais avançados, melhor interoperabilidade de dados e maior controle do usuário sobre dados pessoais.

Porém, como Chris enfatizou na palestra, a IA vai centralizar ainda mais o poder.

Os próximos anos verão a inteligência artificial tornar-se uma parceira integral em nossas vidas, indo muito além de auxiliares na escrita de memorandos ou para nos ajudar a realizar tarefas complexas, tomar decisões e até mesmo atender às nossas necessidades emocionais.

Não sabemos ainda a repercussão desta mudança. O que acontece com nossos cérebros quando não precisamos mais processar informações como costumávamos fazer? O que acontece com nossos corações quando não precisamos mais de outras pessoas para ter relacionamentos significativos? O que acontece conosco como seres humanos quando tanto do que há muito tempo definiu a humanidade —a capacidade de pensar e sentir de forma independente— é terceirizado para máquinas?

Vivemos uma época extremamente perigosa e cultivar a inteligência crítica deveria ser o nosso maior objetivo neste momento.

Visto primeiro na Folha de São Paulo

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