Começou o BBB 2024. E com ele, uma lição sobre processos de votação. O voto no programa mudou. Antes ele era feito mediante um simples login no GShow. Cada pessoa logada podia votar quantas vezes quisesse, sem maiores verificações. Isso se tornou problemático. A escolha dos vencedores do BBB deixou de ser feita por indivíduos e passou a ser feita por grupos organizados, capazes de coordenar pessoas e aplicar poder computacional, incluindo scripts e bots.
A partir desta edição surge uma nova modalidade chamada de “voto único”. Será preciso verificar o CPF para conseguir votar. A regra será: uma pessoa, um voto. Essa modalidade corresponderá a 50% do peso no placar. O outro tipo de voto permanece, mas agora se chama voto da “torcida”, e corresponde aos outros 50%. Com isso o programa tenta manter os números gigantescos dos votos coordenados, enquanto tenta recuperar a importância do voto individual. Estarei assistindo ao impacto desse experimento com pipoca na mão.
A razão é que métodos de votação influenciam tudo. Chega a ser chocante que nas democracias do século 21 nosso jeito de votar continue sendo similar ao de Atenas no século 6 antes de Cristo: uma pessoa, um voto. Com a decisão sendo tomada pela maioria.
Um dos efeitos da aplicação da regra da maioria é seu incentivo à polarização. Ela ignora nuances e reduz os incentivos de se encontrar pontos em comum. A proposta que recebe mais votos é a vencedora. Enquanto isso, quem votou em outra opção ou opções tem seu voto jogado no lixo para fins de representação, mesmo que corresponda a 49,9% do total. Esse problema se materializa em qualquer votação majoritária, de decisões no condomínio a eleições presidenciais.
A boa notícia é que há outros métodos sendo experimentados para resolver esse problema. Um deles me interessa diretamente: o voto quadrático. Participei da construção do site Concordamos.com.br, a primeira plataforma em língua portuguesa para realizar votações quadráticas.
A ideia é a seguinte. Em vez de apenas um, cada pessoa recebe um conjunto de votos (por exemplo, 100). As pessoas podem então distribuir seus votos entre diversas opções, conforme suas preferências. Pode atribuir 40 para um candidato, 20 para outro etc. Se há uma preferência forte por um único candidato, pode colocar todos os votos nele. Mas nesse caso, seus votos sofrem um desconto “quadrático”. Em vez de valerem 100, passam a valer 10 nesses casos de concentração. Já se a pessoa dividir seus votos entre várias alternativas, o desconto é menor e seu poder decisório fica mais próximo dos 100.
Esse é um modelo anti-polarização. A decisão final torna-se um balanço das preferências de todos os eleitores, que são incentivados a distribuir seus votos. Nesse sistema não há votos jogados no lixo. O resultado é mais representativo das preferências de todos os votantes. O voto quadrático pode ser usado em condomínios, assembleias de empresas ou qualquer processo decisório. A Câmara de Vereadores de Gramado, por exemplo, já usou. Poderia ser usado até no Big Brother. Ainda que construir o futuro da democracia não seja exatamente a preocupação do programa.
Já era – uma pessoa decidir tudo sozinha para todos
Já é – votações majoritárias
Já vem – experimentos com votações quadráticas e outros modelos de decisão democrática