Internet, 30 anos: concorrência fez fibra óptica avançar – 13/05/2025 – Tec

Fundador da GVT, o israelense Amos Genish decidiu investir no Brasil ao identificar uma dor: “Em 1999, eu morava nos EUA, onde pacotes de banda larga de até 5 megabytes por segundo eram comuns; no Brasil navegava‑se a 25 kb/s na internet discada –uma diferença de até 200 vezes.”

Quando a internet brasileira deu os primeiros passos há 30 anos, em 1995, o país tinha uma única empresa de telefonia: a Telebras, cuja rede recebeu a demanda da conexão discada. Hoje, existem cerca de 22 mil empresas vendendo serviços de transmissão de dados em velocidade incomparável aos padrões de 30 anos atrás, segundo dados da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).

O primeiro serviço de fibra óptica doméstica no país foi oferecido, em 1997, pela empresa brasiliense TV Filme, posteriormente comprada pela Sky. A conexão banda larga veio a ganhar escala apenas após a entrada da GVT e da Net no mercado no início dos anos 2000 e, apesar dos objetivos de universalização do país até 2024, ainda não atende a todo território nacional.

“As antigas empresas do sistema Telebras ainda extraíam valor do cobre [usado na rede de telefonia fixa] cobrando caro pela discada”, resume o executivo que iniciou, em setembro de 1999, as operações da empresa, cuja sigla em inglês se traduz como aldeia global telecomunicações.

Genish se referia às companhias que compraram nacos da antiga estatal de telefonia, ganharam autorização para fornecer serviços em determinada região do país e vieram a dar origem a Tim, Vivo, Brasil Telecom (futura Oi) e Embratel (Claro).

Apenas essas empresas tinham autorização para atuar até 1998, quando a Anatel iniciou uma transição regulatória para aumentar a concorrência com a criação das chamadas “empresas espelho”, que poderiam atuar nas mesmas áreas que as companhias já autorizadas pela Anatel.

A GVT era uma empresa espelho da Brasil Telecom e a sua proposta era entregar conexão de qualidade superior e preço menor, uma vez que, quanto maior é a participação de fibra óptica na sua rede, mais barato fica o serviço na proporção entre velocidade e custo.

Além disso, as empresas espelho, embora não tivessem herdado a estrutura da antiga Telebras, estavam isentas das obrigações de universalizar a rede de telefonia impostas às companhias que já estavam em atuação. Assim, a empresa construiu o que Genish chama de “rede do futuro” desde o princípio em áreas estratégicas.

“A demanda por conectividade de qualidade é igual em qualquer CEP. Ao atender cidades médias desassistidas, conquistamos participação rápida e uma base de clientes fiéis”, recordou o fundador da GVT.

Como resultado, a GVT foi o principal vetor da instalação de cabos de fibra óptica em Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso, Tocantins, Rondônia e Acre.

A principal concorrente da empresa era a Net, que fez um caminho diverso, partindo do serviço de televisão a cabo à venda de pacotes de internet e telefonia. A entrada da distribuidora de sinal de TV foi possível graças à regulamentação, em 2001, do serviço de comunicação multimídia (televisão, internet e telefone em um só cabo).

O sucesso das duas companhias e a posterior explosão de rentabilidade com a popularização das redes móveis (como os atuais 4G e 5G) levou a duas das maiores aquisições da história do Brasil: a mexicana América Móvil, do bilionário Carlos Slim, tomou controle, em 2011, da Net, da qual já era acionista desde 2001, e a Telefónica, que controlava a área de São Paulo desde o início da separação da Telebrás, pagou 7,5 bilhões de euros (cerca de R$ 22 bilhões na época) pela GVT em 2014.

Naquele mesmo ano, a Vivo, o braço brasileiro da Telefónica, arrematou o maior lote do leilão 4G, pagando R$ 1,050 bilhão pela autorização para operar na faixa de onda delimitada para a então nova fase da internet móvel.

Entrar no novo mercado da telefonia móvel rendia em volume de faturamento, mas custava bilhões de reais. De acordo com Genish, a fusão visou à proteção do caixa das companhias, diluindo os custos com investimento em cabos, postes e torres.

A melhoria no sinal de internet fixa e móvel, no entanto, levou a uma mudança no consumo de dados no Brasil e no mundo. As grandes operadoras se concentram na venda de pacotes que incluem voz, internet e televisão —esta passou a concorrer com serviços de streaming disponíveis na web.

Como a telefonia fixa também perdeu utilidade, o brasileiro passou a buscar contratos apenas de internet, abrindo espaço para o avanço dos pequenos e médios provedores de internet. Além disso, o preço para investir em fibra óptica se barateou muito ao longo dos anos e provedores com menos de 5.000 acessos não precisam de autorização da Anatel para atuar, diz diretor de engenharia e operações da RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa), Eduardo Grizendi.

“No começo, a gente ouvia história de pessoas que venderam o carro para levar fibra óptica para uma vizinhança no interior, e esse pessoal foi se reunindo, compartilhando conhecimento e crescendo”, diz Grizendi.

Essas companhias levaram internet de alta qualidade a municípios menores, antes relegados a tecnologias ultrapassadas, e têm recebido seguidos reconhecimentos ao liderarem a pesquisa de qualidade percebida da Anatel, que ouve a avaliação de consumidores —desde 2018, a sulista Unifique e a mineira Giga Mais Fibra revezam os postos de melhores notas para a internet.

Hoje, os pequenos e médios provedores somados atendem mais clientes do que as grandes operadoras e parte deles está em expansão.

Além disso, a rede 5G só pôde avançar a pontos no interior graças ao trabalho pulverizado dos pequenos e médios provedores, uma vez que as torres mais modernas precisam estar ligadas à fibra óptica, diz Grizendi.

Em 2021, a Unifique decidiu entrar no mercado de internet móvel diante de uma oportunidade aberta pelo regulador de telefonia: o leilão de 5G criou a modalidade de operador regional, que teria compromissos de levar infraestrutura a apenas uma região.

A agência, que trabalha desde 2020 para aumentar a concorrência no mercado, estabeleceu um esquema de transição no qual as grandes operadoras deveriam compartilhar suas torres com as novas empresas até 2030, para que estas tivessem tempo de se estabelecer.

Em contrapartida, a empresa que lidera o mercado de fibra óptica em Santa Catarina terá de levar o 5G a 670 cidades na região sul até 2030. Até o momento, a empresa concluiu trabalhos em 50 cidades, a maioria de médio porte, de acordo com o diretor de inovação da empresa, Gabriel Amâncio.

As outras regionais são Algar Telecom (triângulo mineiro), Brisanet (Nordeste e Centro-Oeste) e Ligga (Norte).

Ainda assim, 1.206 municípios brasileiros, a maioria na região Norte, permanecem desconectados da infraestrutura de fibra óptica e sem acesso adequado à internet. A falta de cabeamento afeta também a qualidade do sinal 5G, uma vez que as torres devem estar ligadas à fibra óptica.

Uma das contrapartidas do leilão do 5G é levar conexão aos municípios isolados. Essa é a missão de uma organização sem fins lucrativos fundada com investimentos de R$ 6 bilhões de Claro, Tim e Vivo: a Entidade Administradora da Faixa (EAF).

O CEO da EAF, Leandro Guerra, disse à Folha que a entidade já levou fibra óptica a 60 municípios com uma estratégia inovadora de instalar o cabeamento junto ao leito de rios, evitando o desmatamento de áreas da floresta amazônica. O trabalho de expansão vai até 2028.

Genish, que depois da venda da GVT já passou pela chefia de Vivo, Tim e do braço do BTG que administra a massa falida da Oi, diz que lidar com esse vácuo de conectividade no Brasil exigirá subsídio público e soluções via satélite. “É uma situação similar à dos Estados Unidos.”

Desde 2022, a Anatel autoriza que a Starlink oferte sinal de internet a partir de sua constelação de satélites de baixa órbita, que entrega conexão praticamente sem atrasos em comparação com o equipamento geoestacionário usado pela concorrência.

De acordo com o executivo, a conexão via satélite da Starlink, que já atende 324 mil domicílios no país, não substitui a fibra óptica nas grandes cidades, mas se tornou uma solução viável por aliar bom preço e velocidade, assim como fez a GVT no início dos anos 2000. Para a empresa de Musk, o custo de instalar uma antena em São Paulo ou no Oiapoque (Amapá) é o mesmo.


Table of Contents

INTERNET, 30

Esta reportagem faz parte série “Internet, 30” , que conta histórias de pioneiros da internet brasileira, cujo lançamento comercial completou 30 anos em 1º de maio. Os textos partem da evolução da conexão no país, a partir de meados dos anos 1990, para abordar desafios atuais como a ascensão de plataformas de inteligência artificial e a autonomia da gestão da rede no país. Na sequência, das primeiras lojas virtuais aos primeiros influencers, passando por sites que anteciparam o surgimento de aplicativos e redes sociais, a série vai mostrar como a internet hoje é um reflexo do que já acontecia, mesmo que de forma incipiente, décadas atrás.

Visto primeiro na Folha de São Paulo

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.