IA: ‘Coachbots’ ganham espaço e desafiam mercado – 18/03/2025 – Tec

Conversar com um colega masculino “difícil” que interrompia constantemente fazia Vrnda Boykin suar. Apesar do desconforto, a gerente sênior de programas da empresa de software HubSpot retornava repetidamente à discussão.

Mas seu interlocutor não era humano, e sim um chatbot —ou “coachbot”— que ela havia solicitado para agir como um colega de trabalho irritante, permitindo que ensaiasse conversas difíceis no ambiente profissional.

“Consegui praticar a redução das minhas respostas, então foi construtivo”, conta Boykin. Os ensaios permitiram que ela “pausasse e não fosse provocada; eu podia pensar antes de dizer: ‘Isso é rude’.” A experiência proporcionou uma oportunidade de cometer erros “em privado” e parecia muito melhor do que acabar “em uma disputa no RH”.

Aimy, o chatbot representado por avatares e capaz de se comunicar por texto e voz, foi criado pela CoachHub, uma plataforma de coaching, e faz parte de um projeto-piloto na HubSpot. O bot repetia as palavras de Boykin para ela, sugerindo alternativas que a incentivavam a colaborar melhor com seu colega combativo.

Aimy, que será lançada ao público neste verão, integra uma nova geração de coachbots, incluindo Nadia, da Valence, e Cai, da Ezra. Esses sistemas utilizam inteligência artificial generativa para oferecer uma versão mais acessível de um serviço antes reservado a executivos seniores.

Coaches virtuais baseados em IA podem fornecer conselhos sobre negociações salariais, sugerir como hábitos individuais afetam o trabalho ou simular conversas desafiadoras. São apenas uma das formas pelas quais a IA está sendo usada nesse setor; outras incluem auxiliar coaches humanos na elaboração de resumos de sessões, na conexão entre clientes e mentores ou na cobrança do cumprimento de metas.

Diferentemente de modelos genéricos como o ChatGPT, os coachbots especializados são treinados em políticas específicas das empresas, metodologias testadas para desafios no ambiente de trabalho e informações sobre a experiência do usuário armazenadas nos sistemas corporativos.

A Valence promove seu serviço como um coach sempre disponível por “2% do custo tradicional”. O CEO da empresa, Parker Mitchell, diz que a demanda está crescendo em setores como finanças e turismo, especialmente entre “líderes de linha de frente”. Já o CEO da CoachHub, Matti Niebelschütz, afirma que esses mentores automatizados individuais estão “democratizando o crescimento profissional”.

No entanto, a ascensão do coaching por IA também levanta questões éticas, e alguns profissionais do setor questionam seu propósito. Seria apenas uma estratégia de marketing para estimular a demanda por coaching humano, um complemento útil ou uma ameaça que pode canibalizar o mercado de profissionais reais?

O coaching envolve compartilhar desafios pessoais e profissionais, e as pessoas só fazem isso se confiarem que seu coach de IA preservará sua confidencialidade.

Essas preocupações foram detalhadas em um artigo recente de Tatiana Bachkirova, professora de psicologia do coaching na Universidade Oxford Brookes. Ela acredita que a “invasão do coaching por IA” representa uma “degradação” da prática e descreve as versões mais baratas como “um substituto” que não atende às necessidades daqueles em cargos mais altos.

“As ofertas de desenvolvimento das empresas para seus funcionários são degradadas, enquanto o coaching humano é mantido apenas para os clientes mais importantes”, critica.

O coaching é um campo amplo, que abrange desde o ensino de habilidades básicas até programas executivos de alto nível. Desde a pandemia, muitas versões digitais se tornaram mais acessíveis, com plataformas como CoachHub e BetterUp combinando coaches humanos com atendimentos online. Segundo o Growth Markets Reports, o mercado global de coaching online deve crescer de US$ 2,19 bilhões (R$ 12,49 bilhões) em 2022 para US$ 6,79 bilhões (R$ 38,7 bilhões) até 2031.

Mais recentemente, os avanços da IA generativa permitiram que chatbots absorvessem parte dessa demanda. O relatório mais recente da Federação Internacional de Coaching revelou que o número de coaches superou os 100 mil pela primeira vez em 2022, atingindo 109.200 —um aumento de 54% em relação a 2019.

Os maiores crescimentos foram registrados na Ásia (86%) e no Oriente Médio e África (74%). Além disso, a taxa média cobrada por sessão subiu para US$ 244 por hora, um acréscimo de 9% em relação a 2019, com coaches experientes podendo cobrar valores ainda mais altos.

Carol Braddick, coach e pesquisadora do setor, explica que esses chatbots são geralmente destinados a gerentes intermediários, líderes de equipe e profissionais individuais. Empresas como Delta, Experian, Kraft Heinz, WPP e Novartis já utilizam a Nadia, da Valence.

Mesmo os defensores mais entusiastas admitem que os coachbots não podem substituir o desenvolvimento de alto nível para executivos seniores. Um coach virtual pode dividir um objetivo em etapas alcançáveis, mas não ajudará um profissional a superar uma crise existencial na carreira. Bachkirova diz que o estabelecimento de metas —”a parte mais importante do coaching real”, onde “os projetos são gradualmente definidos a partir de uma melhor compreensão das necessidades”— não deveria ser deixado a cargo de um bot.

Alguns usuários descrevem os chatbots como “amigos secretos”, confiando neles para relatar problemas que não podem compartilhar dentro da organização.

Uma vantagem dos coachbots é que estão disponíveis 24 horas por dia. Alguns clientes se sentem mais à vontade com a IA, pois percebem menos julgamento do que em interações humanas, que podem ser influenciadas por fatores como sotaque ou aparência.

Nicky Terblanche, professor associado de coaching de liderança e metodologia de pesquisa na Stellenbosch Business School, diz ter ficado surpreso ao descobrir que usuários enxergam os chatbots como confidentes. “Eles não se importavam com o fato de que as informações estavam sendo armazenadas em algum lugar”, relata. Mitchell, da Valence, afirma que a privacidade dos dados é essencial para o funcionamento do sistema. “Coaching envolve vulnerabilidade, admitir falhas e desafios. As pessoas só fazem isso se acreditarem que seu coach de IA manterá a confidencialidade.”

No entanto, Terblanche alerta que algumas empresas fazem promessas exageradas sem base concreta. “Ainda precisamos entender para quais públicos e contextos a IA funciona”, diz. “É muito cedo para definir padrões.” A falta de transparência nos algoritmos das empresas é um dos maiores desafios.

Outro risco é que a tecnologia se torne excessivamente integrada à rotina dos usuários, alerta Carsten Schermuly, professor de psicologia empresarial na Universidade de Ciências Aplicadas SRH Berlin. “Sabemos que o coaching humano pode criar relações de dependência entre coach e cliente. Se um bot de coaching estiver disponível 24 horas por dia, temo que o risco de dependência e vício seja muito maior.”

Visto primeiro na Folha de São Paulo

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