O Google construiu um monopólio da publicidade digital com a compra de uma série de empresas do setor, decidiu a Justiça americana nesta quinta-feira (17). A decisão pode obrigar a big tech a vender parte das companhias que controla, e abrir caminho para uma divisão do conglomerado.
Este foi o terceiro veredito anticoncorrencial contrário ao conglomerado avaliado em US$ 1,8 trilhão, que reúne o buscador Google, a plataforma de vídeos YouTube, serviços de produtividade como o Gmail, mapas e o sistema operacional para smartphone Android, entre outras atividades.
Tribunais dos EUA já identificaram práticas monopolistas do gigante da tecnologia no mercado de buscas e na venda de apps para Android, mas este é o primeiro revés que pode levar o Google a ter de vender parte de seus ativos.
O Departamento de Justiça (DOJ) dos EUA ainda deve reivindicar na próxima segunda (21) que o Google venda o seu navegador Chrome, como uma medida para desfazer o monopólio do conglomerado sobre as pesquisas na internet.
“As decisões sobre o tipo de remédio adotado [para resolver questões de concorrência] focam na causa do problema e podem considerar eventualmente o histórico da empresa para checar a credibilidade no cumprimento de compromissos anteriores”, diz Nicolo Zingale, professor da FGV Direito Rio.
GOOGLE CERCOU MERCADO DE ANÚNCIOS NA INTERNET, DIZ MAGISTRADA
A juíza americana Leonie Brinkema afirmou em sua decisão que o Google violou a lei para construir sua dominância no setor de anúncios na internet ao integrar duas ferramentas: o antigo DoubleClick for Publishers (DFP), uma ferramenta de gerenciamento de campanhas publicitárias, e o Ad Exchange, onde os anunciantes compram espaço de exibição em leilões.
Na próxima semana, Brinkema iniciará uma segunda fase do julgamento em que determinará medidas que o gigante das buscas terá de tomar para abrir espaço para concorrência. Ambas as partes poderão mencionar possíveis soluções.
O Departamento de Justiça (DOJ) dos EUA, que denunciou o Google, pede que o conglomerado venda parte de suas companhias, mas a Justiça pode avaliar que apenas a interoperabilidade das ferramentas com a concorrência seja suficiente.
O DOJ afirma que os donos de sites só recebiam lances dos anunciantes caso usassem o DFP, que depois passou a se chamar Google Ad Manager. “Essas restrições pressionaram publishers a usar o DFP não porque era visto como um produto melhor, mas por causa da exploração do Google sobre o controle da posição dominante do AdX na distribuição de anúncios na internet aberta”, avaliou a magistrada.
Outra consequência da concentração seria o acúmulo de dados sobre o comportamento de publishers e anunciantes que daria vantagem ao Google no treinamento de ferramentas de inteligência artificial para direcionar propaganda.
Essa dominância sobre diversas etapas da venda de anúncios na internet, segundo a decisão, foi construída a partir de diversas aquisições feitas pelo Google ao longo de sua história. “Por exemplo, depois de adquirir a Admeld, o Google aposentou o recurso que permitia levar lances em tempo real para concorrentes do AdX.”
O ex-assistente do advogado-geral dos Estados Unidos para assuntos anticoncorrenciais, Jonathan Kanter, que coordenou a acusação, afirmou que o desfecho da ação “foi uma grande vitória para combate ao truste, a indústria midiática e para a internet aberta e livre”.
O DOJ já sinalizou que deve pedir a venda de parte da cadeia de oferta de anúncios do Google.
GOVERNO AMERICANO QUER ROMPER INTEGRAÇÃO ENTRE CHROME E ANDROID
O DOJ também deve argumentar que o Google deve vender o seu navegador Chrome, para que o gigante da tecnologia abra espaço no mercado de buscas.
Os representantes do governo americano afirmam que o navegador garante tratamento prioritário à plataforma de buscas do Google, configurado como buscador padrão no Chrome. Os processos tiveram início no primeiro mandato de Donald Trump e ganharam substância durante a administração de Joe Biden.
O caso é um desdobramento de outro julgamento anticoncorrencial, de 2024, que revelou que o Google mantinha um contrato de pagamento de US$ 20 bilhões ao ano com a Apple para ser o mecanismo de busca padrão também do Safari, o navegador de iPhones e iPads.
O juiz Amit Mehta concluiu que esses termos de exclusividade dificultavam a operação de concorrentes como Bing ou DuckDuckGo e proibiu a prática. O desmembramento do gigante de buscas seria uma medida em avaliação, caso a medida inicial não surtisse o efeito esperado.
Embora o foco inicial do DOJ seja o Chrome, a venda do Android também é citada pelo governo americano, caso o sistema operacional seja usado para privilegiar o buscador do Google de forma injusta.
O DOJ ainda avalia a integração do mecanismo de buscas com outros aplicativos, como o YouTube, e plataformas de IA —Gemini, por exemplo.
Zingales, da FGV Direito Rio, porém, afirma que a abordagem de julgamentos antitruste tradicionais considera somente o mercado em que ocorre o problema, o que dificulta que juízes analisem a atuação do Google como um todo.
De acordo com o professor, uma decisão mais transversal sobre a operação do Google dependeria de uma interpretação mais similar ao ato de mercados digitais europeus, que criou regras especiais para grandes empresas de tecnologia, chamadas de gatekeepers por terem controle sobre a economia da internet.
GOOGLE TEVE DERROTA PARA EPIC E PRECISOU ABRIR PLAY STORE
O primeiro revés concorrencial do Google foi em 2023, quando um tribunal dos EUA julgou uma denúncia da desenvolvedora do jogo Fortnite, Epic, de que a big tech mantinha um monopólio na venda de aplicativos para celulares Android e nos pagamentos por trás dessas transações.
Por isso, as empresas que produzem aplicativos tinham de pagar uma comissão de 30% sobre as vendas para que seus produtos fossem exibidos para os donos de smartphones com sistema operacional Android.
Documentos internos revelaram que o Google pagava desenvolvedores para evitar concorrência e impunha restrições a fabricantes de celulares, dificultando a instalação de lojas alternativas.
A decisão abriu caminho para que desenvolvedores possam usar métodos de pagamento próprios e distribuidoras rivais possam operar com mais liberdade no ecossistema Android.