Os EUA estão processando a Apple por supostamente usar seu poder no setor de smartphones para sufocar a concorrência de rivais e limitar a escolha do consumidor, no mais recente ataque do governo de Joe Biden contra as gigantes de tecnologia.
A ação ocorre enquanto a Apple enfrenta pressão de reguladores, tribunais e concorrentes ao redor do mundo sobre como opera o iPhone, colocando em risco sua receita anual de serviços de US$ 85 bilhões.
A ação judicial apresentada na quinta-feira em um tribunal federal em Nova Jersey pelo Departamento de Justiça dos EUA, juntamente com um grupo bipartidário de 16 procuradores estaduais e distritais, acusa o grupo de impor limitações contratuais aos desenvolvedores, dificultando para os usuários a troca de dispositivos. As ações da companhia caíam ao menos 3% no pregão desta quinta em Nova York.
O chefe “antitruste” do Departamento de Justiça, Jonathan Kanter, descreveu a posição da Apple em relação às outras marcas ao longo dos anos como “uma série de restrições contratuais que permitiram esmagar a concorrência”.
A denúncia acusa a empresa de abusar de seu poder de mercado de várias maneiras: para sufocar o crescimento de aplicativos e serviços de mensagens inovadores, reduzir o apelo de “smartwatches” rivais, impedir aplicativos rivais de pagamento por aproximação em seus dispositivos e bloquear o desenvolvimento de aplicativos de streaming de jogos.
A Apple mudou sua política que proibia aplicativos de streaming de jogos em sua App Store no início deste ano.
Em uma coletiva de imprensa na quinta-feira, o procurador-geral dos EUA, Merrick Garland, observou que o lucro líquido da Apple – que foi de US$ 97 bilhões em 2023 – agora “excede o PIB de mais de 100 países”, em grande parte devido ao sucesso de seu iPhone, que ele disse ter mais de 65% de participação no mercado de smartphones dos EUA.
Ao longo dos anos, “a Apple manteve poder de monopólio no mercado de smartphones” não apenas por “competição com méritos”, mas por meio de uma estratégia intencional para excluir concorrentes, disse Garland.
“A Apple manteve seu poder não por sua superioridade, mas por seu comportamento de exclusão ilegal”, acrescentou.
Em nota, a Apple chamou o processo de “errado nos fatos e na lei”:
“Este processo ameaça quem somos e os princípios que diferenciam os produtos da Apple em mercados ferozmente competitivos”, disse. “Se bem-sucedido, prejudicaria nossa capacidade de criar o tipo de tecnologia que as pessoas esperam da Apple – onde hardware, software e serviços se intersectam. Também estabeleceria um precedente perigoso, dando poder ao governo para interferir pesadamente no design da tecnologia das pessoas.”
Este é o primeiro desafio antitruste contra a Apple sob a administração Biden, que está conduzindo casos antitruste contra algumas das maiores empresas do Vale do Silício.
Autoridades sêniores do Departamento de Justiça compararam o processo contra a Apple a alguns dos casos antitruste mais significativos da história dos EUA, incluindo acusações contra a AT&T, Standard Oil e Microsoft. A empresa de Bill Gates foi acusada há duas décadas de usar seu monopólio do Windows para esmagar a pioneira dos navegadores, Netscape. “Hoje, adicionamos a esse legado célebre”, disse Kanter.
O Departamento de Justiça processou o Google no ano passado por supostamente exercer controle monopolístico sobre o mercado de publicidade digital. Um julgamento está em andamento em um caso federal separado sobre o poder de mercado da empresa controlada pela Alphabet para busca na internet.
A Comissão Federal de Comércio, outro regulador de competição dos EUA, processou a Amazon, alegando que ela usa ilegalmente o poder de monopólio para cobrar demais dos consumidores e explorar os vendedores, e está conduzindo um caso que visa forçar o Meta a desfazer suas aquisições do Instagram e WhatsApp.
O Departamento de Justiça se une a uma crescente reação global contra o rígido controle da Apple sobre seu ecossistema iOS, que críticos afirmam permitir à empresa cobrar taxas de monopólio e impor termos comerciais injustos.
Os reguladores antitruste da União Europeia multaram a Apple em 1,8 bilhão de euros no início deste mês por políticas de “direcionamento” que impedem aplicativos rivais de streaming de música, como o Spotify, de direcionar clientes fora de sua App Store para fazer pagamentos.
Neste mês, a Digital Markets Act do bloco também entrou em vigor, exigindo que a fabricante do iPhone faça mudanças históricas em seu ecossistema móvel na Europa, abrindo-o para lojas e métodos de pagamento concorrentes.
Cinco maneiras pelas quais a Apple teria abusado de poder
Bloqueio de ‘super aplicativos’
O Departamento de Justiça diz que os chamados super aplicativos permitiriam aos usuários acessar uma variedade de conteúdos, “não muito diferente de como Netflix e Hulu permitem que os usuários encontrem e assistam a milhares de filmes e programas de TV em um único aplicativo”. A reclamação cita um gerente da Apple dizendo que tais aplicativos permitiriam “deixar os bárbaros entrarem pela porta”, ameaçando a “adesão ao iOS”.
Bloqueio de aplicativos de jogos em nuvem concorrentes
Esses aplicativos, oferecidos por empresas como Microsoft e Nvidia, permitem que uma biblioteca de jogos seja transmitida em um aplicativo via nuvem. O Departamento cita indivíduos na Apple dizendo que, com tais serviços, “tudo o que importa é quem tem o hardware mais barato” e os consumidores poderiam “comprar um Android por 25 dólares em um bazar e… ter um dispositivo de computação em nuvem sólido” que “funciona bem”.
Mensagens entre sistemas
O Departamento de Justiça diz que a Apple degrada a experiência de mensagens no iPhone para mensagens de usuários do Android, observando a infame “bolha verde” que denota mensagens de usuários não-Apple. “A Apple poderia ter criado uma experiência de mensagens melhor entre plataformas criando o iMessage para Android, mas concluiu que fazer isso ‘nos prejudicaria mais do que nos ajudaria'”, diz o DoJ.
Incompatibilidade de smartwatch
“Tendo copiado a ideia de um smartwatch de desenvolvedores de terceiros, a Apple agora impede esses desenvolvedores de inovar e limita o Apple Watch ao iPhone para evitar um ‘impacto negativo nas vendas do iPhone'”, diz o Departamento.
Carteiras digitais
“Enquanto a Apple incentiva ativamente bancos, comerciantes e outras partes a participar da Apple Wallet, a Apple simultaneamente exerce seu monopólio de smartphones para bloquear esses mesmos parceiros de desenvolverem produtos e serviços de pagamento melhores para os usuários do iPhone”, alega o Departamento de Justiça.