Empresas brasileiras do setor de venda direta —como Natura, Hinode e Herbalife, entre outras— começaram a adotar ferramentas de inteligência artificial para apoiar suas equipes de consultores e aprimorar o atendimento ao consumidor.
O processo ainda é feito com muito cuidado, mas já inclui chatbots, análise de desempenho individual e personalização de produtos com base em dados.
O setor de venda direta, que movimentou R$ 50 bilhões em 2024, é um modelo em que produtos e serviços são oferecidos diretamente ao consumidor final, fora de estabelecimentos comerciais fixos, geralmente por meio de revendedores independentes que fazem a ponte entre a marca e o cliente.
Jordan Rizetto, diretor geral da Herbalife Brasil, empresa voltada para saúde e bem-estar, diz que a marca já possui ferramentas feitas sob medida para ajudar distribuidores a construírem uma identidade digital.
“E na semana passada, nós comunicamos a aquisição da Pruvit, nos Estados Unidos, que construiu uma plataforma chamada Pro2col. Ela tem, entre outras coisas, ferramentas de IA que ajudam o consumidor final a entender o que ele está comendo”, afirmou Rizetto, em evento da Abevd (Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas).
“Ela [IA] está chegando ao ponto de, por exemplo, encontrar o suplemento ideal para você, que vai ser diferente do suplemento para mim, tudo muito customizado”, disse.
Rizetto, que também é vice-presidente do conselho diretor da Abevd, afirma que as empresas estão em momentos diferentes de implementação. “A empresa precisa criar seu arcabouço ético, seus princípios inegociáveis, e a partir disso adaptar as ferramentas conforme surgem”, completa.
Na Hinode, marca de cosméticos, o destaque é a “Sol”, uma assistente virtual desenvolvida com IA para responder dúvidas sobre produtos, planos de carreira e ferramentas internas.
A empresa agora prepara a próxima fase do projeto, em que a Sol será capaz de analisar relatórios de desempenho de cada consultor e oferecer sugestões personalizadas de estratégia. “Isso significa que nossos líderes terão em mãos uma ferramenta poderosa para otimizar suas abordagens”, afirma a Hinode.
No caso da Natura, a estrutura ainda é inicial e concentrada em projetos internos, como ferramentas de apoio jurídico. Mas já há um comitê específico, formado por áreas como privacidade, cibersegurança e tecnologia da informação, além de um programa de governança.
“O nosso aviso de privacidade já tem um item falando sobre inteligência artificial. Mas ainda não temos grandes soluções para o cliente final ou mesmo para a consultora. É melhor ir com calma, porque é perigoso, e a cautela faz parte do DNA da nossa empresa”, disse Gabriel Gimenez, líder de privacidade e governança da Natura, durante o evento.
Tatiana Campello, sócia do escritório Demarest Advogados, explica que outras marcas estão adotando boas práticas mínimas, como políticas de privacidade na inteligência artificial.
“Mas elas não adotam ainda um programa completo, como o da Natura. Eu acho que as empresas ainda estão no estágio bem inicial, pelo que a gente tem visto aqui no Brasil”, afirma.
Já Adriana Colloca, presidente executiva da Abevd, acredita que as empresas já estão bastante preocupadas com o assunto. “É o tema da vez. Percebemos que todos estão pensando em como trabalhar com automação, digitalização e inteligência artificial.”
EMPRESAS TEMEM RISCOS E AGEM COM CAUTELA
Para Gabriel, chatbots como o ChatGPT podem trazer muitas vantagens ao setor, como agilizar o acesso dos consumidores a informações sobre produtos, promoções ou dúvidas frequentes, sem depender da disponibilidade de um revendedor, mas sempre é preciso cuidado.
“Ele tem alguns vícios também. Pode trazer uma informação errada, a inteligência pode alucinar. Ela pode, por exemplo, ver um produto similar do concorrente e pensar que também deve oferecê-lo ao cliente final”, pondera.
A grande questão, segundo o executivo, é entender quando usar a IA é necessário. “Vale a pena ter essa tecnologia? Precisamos fazer essa análise, porque senão o empresário vai colocar um risco a mais sem ter um ganho tão claro.”
Tatiana acredita que a privacidade deve ser o principal ponto de atenção. “Podemos falar tanto de dados pessoais quanto da própria confidencialidade da empresa, ou seja, olhar se o sistema está protegendo corretamente as informações, como funciona a transferência, a utilização, o treinamento.”
Outros pontos citados pela especialista foram os de propriedade intelectual e transparência sobre a procedência de cada informação. “A questão da conscientização do time também é muito importante, isso em qualquer lugar”, completa.
A advogada compara os processos de governança de inteligência artificial com as normas da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). “Não é igual, mas a mentalidade é parecida. As empresas que já passaram pelo processo de compliance podem imaginar como será dessa vez.”
O executivo da Natura afirma que a empresa está olhando por esse lado. “Estamos tentando fazer um procedimento de conscientização com as pessoas, de falar sobre boas práticas, o que pode, o que não pode.”