Os jovens pesquisadores reunidos na cobertura do laboratório de engenharia da Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), em Pasadena, numa agradável noite de maio de 2023, não tinham a intenção de fazer história.
Depois de um longo dia montando equipamentos para testar um satélite movido a energia solar, o professor que chefiava o projeto lhes disse para pegarem algo para comer e voltarem.
“Eram quase 22h, e dissemos: ‘Vamos tentar. Vamos fazer um teste'”, diz Ali Hajimiri, professor de engenharia elétrica na Caltech. “A princípio achamos que não estávamos detectando um sinal. Depois começou a aparecer e a ficar mais forte.”
A equipe ficou entusiasmada. Pela primeira vez, uma quantidade detectável de energia solar tinha sido transmitida sem fio do espaço para a Terra. Não importava que fosse insuficiente para acender uma lâmpada. Para a crescente comunidade de defensores da energia solar espacial, foi a prova de que era tecnicamente possível fornecer energia do espaço para um planeta faminto por eletricidade.
“O sol é a coisa mais próxima que temos de uma fonte de energia infinita”, diz Paul Jaffe, engenheiro eletrônico do Laboratório de Pesquisa Naval dos Estados Unidos que estuda a energia solar baseada no espaço há 16 anos.
“Podemos criar uma rede global capaz de fornecer energia potencialmente a qualquer lugar da Terra. A tecnologia solar espacial poderia fazer pela energia o que o GPS fez pela navegação.”
A energia solar espacial foi discutida pela primeira vez pelo escritor de ficção-científica Isaac Asimov em seu conto de 1941 “Razão” [do livro “Eu, Robô”]. Na realidade, porém, há muito tempo ela é rejeitada como muito cara e um enorme desafio tecnológico para ser viável comercialmente.
À medida que cresce o sentido de urgência diante das mudanças climáticas e que a economia do espaço evolui, entretanto, governos do mundo todo estão reconsiderando seu potencial. Pesquisadores na China, nos EUA, no Reino Unido, no Japão e na Europa estudam sua viabilidade, com a ideia de possivelmente lançar experiências no espaço antes do final da década.
O programa ZhuRi da China —traduzido como “perseguir o sol”— tem planos de colocar em órbita uma usina piloto gerando 20 megawatts de energia até 2035.
No Reino Unido, um grupo de empresários que financia a startup Space Solar, apoiada pelo governo, é ainda mais ambicioso. Seu objetivo é construir uma usina elétrica na escala de gigawatts no espaço até a mesma data, aumentando para uma frota de usinas que forneçam 30 gigawatts à rede de energia até 2040.
Embora as experiências da Caltech tenham sido financiadas pelo filantropo bilionário Donald Bren, e não pelo governo, o Laboratório de Pesquisa da Força Aérea dos EUA está planejando um demonstrador de transmissão de energia em órbita baixa da Terra em 2025.
Combinação energética
A energia solar espacial, por enquanto, é domínio dos pesquisadores. Mas, à medida que aumentam as pressões ambientais, alguns investidores começam a levar mais a sério essa tecnologia.
O governo do Reino Unido negocia com a Arábia Saudita investimento em energia solar espacial em colaboração com a Space Solar, que está em processo de captação de fundos.
Mas sem a adesão dos setores de energia e empresas de distribuição aos usuários finais, a energia solar baseada no espaço continuará sendo uma quimera.
“Isso deve ser conduzido como um projeto energético que tem um grande elemento espacial”, diz Sanjay Vijendran, que lidera o projeto Solaris da Agência Espacial Europeia. “Estamos tentando que [o setor de energia] assuma o controle o mais rápido possível.”
É por isso que o estudo da Agência Espacial Europeia inclui empresas como a italiana Enel e a francesa Engie. No Reino Unido, a EDF está estudando o potencial da tecnologia para a agência de inovação do país. Mas, em geral, as empresas de energia ainda estão em modo de esperar para ver.
“Ainda existem alguns pontos de interrogação significativos sobre isso –como: é realmente possível construir, operar e lançar esse sistema?”, diz David Ferguson, chefe de inovação para o zero líquido da EDF. “Há muita coisa que ainda precisa ser comprovada do ponto de vista técnico.”
Tal como acontece com as energias renováveis e a necessidade de armazenamento extra, também existem custos ocultos num sistema de energia solar espacial.
Os pesquisadores da EDF estimam que o “clima espacial” –fatores como explosões solares, tempestades geomagnéticas e radiação– poderá degradar os satélites mais rapidamente do que o esperado. Isso acrescentaria cerca de 2 a 7 libras (R$ 12 a 43) ao custo por megawatt-hora.
“Achamos que há uma perda de produtividade de cerca de 20% ao longo da vida útil do sistema, devido ao clima espacial”, afirma Ben Cayless, engenheiro de energias renováveis da EDF.
No entanto, a EDF, tal como a Enel e a Engie, não está preparada para ignorar o potencial de uma nova fonte de energia limpa. “Nossa estratégia não vai mudar com base neste trabalho ou em curto prazo”, afirma Cayless.
“Mas a maioria das empresas é como nós. Estamos avaliando isto e mantendo nossas opções em aberto.”
Potencial energético pode ser maior que o da fusão nuclear
Muitos defensores da energia solar baseada no espaço (SBSP, na sigla em inglês) acreditam que a tecnologia tem maior potencial do que a fusão nuclear para ajudar o mundo a atingir suas metas de zero líquido de CO2.
“Toda a física [da energia solar baseada no espaço] foi demonstrada, testada e verificada”, diz John Mankins, ex-físico da Nasa cujo trabalho em SBSP ao longo de mais de 25 anos lhe valeu o apelido de “padrinho da energia solar espacial”.
Embora cientistas americanos tenham afirmado que conseguiram um ganho líquido de energia numa reação de fusão no ano passado, o processo “ainda está a alguns anos de demonstrar que o sistema geraria mais energia do que seria necessário colocar nele”, diz Mankins.
Com investimento suficiente, acrescenta Vijendran, do projeto Solaris, “a energia solar espacial poderá estar disponível mais cedo do que a fusão”.
A captação da energia solar é obtida com painéis solares fixados num satélite que voa milhares de quilômetros acima da superfície da Terra, sob luz solar constante. Essa energia é então convertida em micro-ondas, que são transmitidas através da atmosfera até uma antena receptora, onde são reconvertidas em eletricidade para ser distribuída pela rede.
Um único satélite poderia fornecer potencialmente até 2 GW de energia livre de carbono, o suficiente para abastecer uma cidade de 2 milhões de habitantes, 24 horas por dia, sete dias por semana.
A Space Solar, com sede em Oxfordshire, estima que um satélite gerador de energia solar produziria energia a um custo de apenas US$ 34 (R$ 170) por megawatt-hora até 2040 para atingir o ponto de equilíbrio durante sua vida útil, contra US$ 43 (R$ 213) por MWh para uma grande fazenda solar terrestre, US$ 53 (R$ 265) por MWh para eólica offshore e US$ 125 (R$ 620) por MWh para nuclear.
“A economia funciona muito bem, e isso pode realmente ser transformador”, afirma Martin Soltau, que liderou o estudo no Reino Unido realizado pelos consultores Frazer-Nash, antes de fundar e tornar-se vice-executivo-chefe da Space Solar.
Muitos acreditam, contudo, que a energia solar baseada no espaço ainda pertence ao domínio da ficção-científica. O fundador da SpaceX, Elon Musk, certa vez chamou o conceito de “a ideia mais idiota de todos os tempos”.
Seu argumento era que as grandes perdas de energia durante a conversão da luz solar em eletricidade tornavam a energia solar espacial muito menos eficiente e pouco competitiva em relação às fazendas solares na Terra.
Harry Atwater, um dos três professores da Caltech que lideram o Projeto de Energia Solar Espacial da universidade e especialista em energia fotovoltaica, discorda.
“Passar da luz solar no espaço para a eletricidade na Terra seria cerca de 5% eficiente”, diz ele –o que significa que até 95% da energia seria perdida. Mas a quantidade de luz solar no espaço num período de 24 horas “é oito vezes maior do que na Terra”.
“Seria semelhante a ter uma célula [solar] com 40% de eficiência na Terra. Não temos nenhuma assim. As pessoas pretendem agora chegar a 30% –talvez.”