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Em relatório, ministério sugere 'Constituição' para ambiente virtual; veja recomendações

Em relatório, ministério sugere 'Constituição' para ambiente virtual; veja recomendações


Documento elaborado por grupo de trabalho da pasta de Direitos Humanos lista imprensa entre os principais alvos do extremismo, e fala em ‘complacência’ das plataformas. Denúncias de crimes envolvendo discurso de ódio nas redes sociais triplicaram nos últimos 6 anos, aponta levantamento
Jornal Nacional/ Reprodução
O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania divulgou nesta segunda-feira (3) um relatório em que alerta para a disseminação do discurso de ódio na internet e sugere uma “Constituição” para o ambiente virtual a fim de garantir direitos fundamentais dos usuários.
O documento foi elaborado por um grupo de trabalho criado pelo ministério para discutir estratégias de combate ao discurso de ódio e ao extremismo, e para a proposição de políticas públicas em direitos humanos.
O órgão é formado por representantes dos ministérios, instituições, membros da sociedade civil e da comunidade científica. Nomes como o da antropóloga Debora Diniz, Esther Solano e Rafael Zanatta, Felipe Neto e da ex-depuada Manuela D´Àvila aparecem entre os autores.
Um dos pontos abordados é a necessidade de regulação das redes. Um projeto que tramita na Câmara dos Deputados propõe a responsabilização das plataformas digitais.
O objetivo é obrigar as big techs – como são chamadas as grandes companhias de tecnologia – a promover uma vigilância permanente contra a desinformação, conteúdos que propagam discurso de ódio entre outros. O tema também está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo o documento divulgado nesta segunda-feira, diante da proliferação do discurso de ódio nas redes sociais, “ganha relevo o debate sobre o constitucionalismo digital, em que objetiva-se definir direitos e deveres dos cidadãos, uma constituição para o ambiente virtual, visando proteger os direitos e liberdades dos indivíduos que interagem nesse espaço”.
“Uma agenda que reafirma-se na defesa de uma Internet Segura, movimento que ao promover a conscientização sobre os riscos e desafios relacionados ao uso da internet, bem como incentivar práticas seguras online, conclama aos usuários a responsabilidade em contribuir com a convivência democrática no ambiente virtual, adotando medidas de segurança, compartilhando informações de forma consciente e respeitando os direitos e a privacidade dos outros”, diz o documento.
O relatório também sugere o fortalecimento da mobilização em torno de um novo marco regulatório para as plataformas digitais e a inteligência artificial, com o objetivo de favorecer “um espaço digital mais democrático e seguro para a convivência humana”.
Além da regulação, o Ministério aponta como pontos centrais para um ambiente mais seguro nas redes:
estratégias de educação midiática: educar para a tática de duvidar dos primeiros conteúdos que aparecem nas mídias, com o objetivo de fazer, principalmente jovens e idosos, leitores críticos da internet;
comunicação popular e comunitária: estimular as formas de comunicação que promovem a participação ativa e a expressão das comunidades locais, permitindo que elas tenham voz e sejam protagonistas na produção e disseminação de informações. Segundo o relatório, experiências desenvolvidas demonstram o papel decisivo dessas iniciativas de comunicação no enfrentamento à covid-19.
Ambientes tóxicos e monetização
O documento divulgado conclui que o discurso de ódio opera pelo o que foi chamado de “tecnologias de ódio”, que se ampliam em “ambientes tóxicos virtuais”, levando a práticas que tem como objetivos “promover ideais antidemocráticos, excludentes e segregadores”.
“Nessa última operação, o discurso de ódio ganha sua dimensão de estratégia de poder, servindo para pôr em marcha projetos de controle e hegemonia políticos, com efeitos de abjeção, julgamento discriminação, apartação ou, brutalmente, de extermínio”.
O relatório ainda alerta para o uso do discurso de ódio como modelo de negócios, o que leva a remuneração de criadores de conteúdos falsos por meio da monetização nas plataformas.
“As tecnologias do ódio operam com força pelas mídias digitais, ligando o ódio à desinformação, a intencionalidade da criação de notícias fraudulentas e enganosas (popularmente denominadas de fake news) para obtenção de vantagens econômicas e políticas, podendo ser constatada uma instrumentalização específica do ódio como modelo de negócio e monetização”.
Após receber o documento, o ministro Silvio Almeida defendeu o avanço da regulação das plataformas de rede social.
“Reforço a necessidade. Não existe uma sociedade democrática sem regras. É fundamental que avançamos para a regulação das plataformas de rede social. Não existe democracia sem regras. Quem fala isso é contra a democracia. Precisamos estabelecer uma regulação, para que não tenha palco para disseminação de ódio. Temos que enfrentar com coragem, isso que a vida nos pede, coragem”, disse.
Grupos sob ataque
O relatório lista as principais instituições, grupos, e sistemas que estão em situação de vulnerabilidade e sob ataque de discursos de ódio.
O texto cita o aumento dos ataques a jornalistas e órgãos de imprensa, estimulados sobretudo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, e apontou o fortalecimento do neonazismo como uma das faces do discurso do ódio presente na atualidade.
O relatório cita como práticas frequentes nas redes:
Misoginia e violência contra as mulheres
Racismo contra pessoas negras e indígenas.
Ódio e violência contra a população LGBTQIA+;
Xenofobia e violência contra estrangeiros e nacionais da região Norte e Nordeste;
Ódio e violência contra as pessoas e comunidades pobres;
Intolerância, ódio e violência contra as comunidades e pessoas religiosas e não religiosas;
Capacitismo e violência contra as pessoas com deficiência;
Atos extremistas contra as escolas, instituições de ensino e docentes e a violência decorrente do discurso de ódio;
O ódio e a violência extremista contra instituições e profissionais da imprensa e da ciência;
Violência política, neonazismo e atos extremistas contra a democracia
Estratégia criminosa
O relatório destaca quatro estratégias utilizadas por quem impulsiona discursos de ódio com o objetivo de gerar engajamento e atingir o maior número possível de pessoas.
O texto diz ainda que esses criminosos “dominaram os meios digitais” por meio da:
criação de conteúdos “que despertam sentimento de abjeção e ódio na audiência”;
utilização do “sarcasmo humilhante e do deboche” para propagar estigmas, estereótipos e discriminações;
criação de notícias fraudulentas; e a postagem de conteúdos voltados para gerar “contágio de emoções negativas” contra um alvo específico.
O Ministério aponta ainda para o aumento das denúncias relacionadas a discurso de ódio na internet durante os períodos eleitorais, fruto, de acordo com o texto, da “complacência das plataformas digitais” e a “ineficiência” do Poder Judiciário em coibir o uso da violência política e do discurso de ódio.
Violência nas escolas
O relatório faz ainda uma análise dos impactos do extremismo e do discurso de ódio na violência promovida no ambiente escolar.
O número de ataques dentro das escolas contra alunos e professores têm subido no país.
“Ações de proteção e prevenção precisam ser planejadas e efetivadas no ambiente escolar por meio de um plano nacional de enfrentamento à violência nas escolas, com protocolos de segurança adequados à realidade brasileira e que não impliquem na militarização dos espaços educativos”, afirma o relatório.
O texto diz ser necessária “a educação midiática para promover uma postura ativa de docentes, estudantes, familiares e todos os demais membros da comunidade escolar” contra a desinformação e os discursos e crimes de ódio.
Além disso, o relatório sugere:
enfatizar pedagogias que minimizem a difusão de conteúdos de ódio, a espetacularização de massacres e rumores relacionados a esse tipo de evento (ataques) a fim de barrar o efeito contágio;
fomentar programas de saúde mental nas escolas por meio da criação de uma frente emergencial entre os órgãos governamentais, especialistas, organizações sociais e redes escolares para implementar ações de assistência e saúde mental nas escolas, levando em conta alguns indicativos;
criar uma rede de inteligência entre os órgãos responsáveis pela garantia da Segurança Pública e as organizações da sociedade civil, universidades e instituições que produzem monitoramentos e estudos baseados em evidências sobre os elementos que promovem os atos agressivos em ambientes escolares
Outros pontos
Para além das sugestões de combate ao extremismo e discurso de ódio nas redes e nas escolas, o relatório avalia a necessidade de se criar um “Fórum Permanente de Enfrentamento ao Discurso de Ódio e ao Extremismo” e a ratificação da “Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância”. Até o momento, o texto não foi ratificado pelo Brasil.
Silvio Almeida afirmou que a pasta vai criar um fórum permanente para “discutir de modo sistemático” como detectar com antecedência atos de grupos extremistas. Além disso, o ministério também pretende criar um plano de cidadania digital no segundo semestre deste ano.
“Quem censura é o ódio, enquanto a violência silencia, o respeito faz aflorar o diálogo. Não existe liberdade sem o exercício da responsabilidade, ser livre é também arcar com as consequências dos seus atos, é saber que as nossas ações quando afetam a vida de alguém terá consequenciais. O ódio é que bloqueia a liberdade, autonomia não é vida sem regras, tem uma contradição entre propagar o ódio e desejar a liberdade. É preciso escolher, escolhemos a liberdade e por isso vamos enfrentar o ódio”, declarou.
Outras sugestões apontadas pelo documento são:
Idadismo: relatório sugere que o Governo Federal continue direcionando esforços junto ao Congresso Nacional para a ratificação da “Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos”;
Mercosul: Ministério orienta apoio ao Instituto de Políticas Públicas e Direitos Humanos (IPPDH);
Pacto: Mobilizar um pacto nacional de enfrentamento ao discurso de ódio e ao extremismo;
Educação: a produção de materiais; criação de programas de formação específicos para profissionais da educação e estudantes; fortalecimento de redes de apoio aos educadores e educadoras que enfrentam situações de sociabilidades violentas;
Religião: fortalecer o ensino religioso não confessional nas escolas públicas.

Matéria original

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