Data center de IA chega ao sul com gasto de água e energia – 27/03/2025 – Tec

Os projetos dos primeiros data centers adaptados para inteligência artificial começam a tomar forma no Sul do Brasil, iniciando uma corrida por disponibilidade de distribuição de energia e desenvolvimento de sistemas de refrigeração a água.

A americana RT One anunciou que irá construir um centro de tratamento de dados em Maringá, no Paraná, com potência máxima de 400 MW e expectativa de início de operações em 18 meses. O gasto da unidade equipara-se, em média, ao consumo de uma cidade de 640 mil habitantes no Brasil.

No fim do ano passado, a Scala Data Center divulgou que trabalha na construção de um campus de data center voltado para IA em Eldorado do Sul (Rio Grande do Sul), a 17 quilômetros de Porto Alegre —a capacidade instalada começará em 60 MW, com possibilidade de expansão para 4.750 MW a depender da demanda.

Em relação ao equipamento de computação na nuvem tradicional, as novas máquinas recebem placas de processamento gráfico da Nvidia, as GPUs, e uma arquitetura otimizada em termos de desempenho.

Essa mudança multiplica em 11 vezes o consumo de energia e a dissipação de calor de cada rack (formado por um conjunto de computadores, chamados servidores, que funcionam de maneira integrada). O equipamento tradicional consome 12 KW, contra 132 KW da máquina de referência da Nvidia —o equivalente ao consumo médio de 500 domicílios brasileiros.

A fabricante de chips afirma que o ganho em eficiência no processamento de dados é maior do que a alta no gasto de eletricidade.

Por isso, as empresas têm rumado à região Sul, onde há mais capacidade de distribuição de energia imediata por causa da proximidade com a usina de Itaipu, nível satisfatório de cabeamento submarino para conexão com outros países e clima ameno em parte do ano.

O movimento frustra os planos do governo de levar essa indústria para o Nordeste, onde há grandes parques de energia eólica e solar. A intermitência dessas fontes de eletricidade e gargalos na rede de distribuição da região são um problema para o setor.

O objetivo das empresas, ao investir em data centers de dimensões inéditas na América Latina, além de atender toda a região, é exportar os serviços de processamento de dados para empresas dos Estados Unidos.

“É uma forma muito inteligente de se exportar energia, adicionando muito valor agregado. É como se, em vez de exportar café in natura, a gente exportasse cápsula de Nespresso”, afirmou o diretor de operações da Scala Data Center, Cleber Braz.

Como o treinamento de um grande sistema de IA, como o ChatGPT ou o Deepseek, é uma atividade que demora meses, a distância da empresa consumidora do serviço para o data center pouco importa. Atualmente, a maior parte dessa operação fica sediada nos Estados Unidos, onde a matriz elétrica é 75% suja, contrariando os objetivos de sustentabilidade dos gigantes da tecnologia.

Segundo os representantes do setor ouvidos pela reportagem, o Brasil entraria no mercado com um excedente de energia limpa a preço competitivo. Em vista disso, seria um fornecedor atraente.

“Um dos nossos objetivos é estar completamente integrados às regras emergentes de sustentabilidade, de energia verde, para prover esses serviços para toda a região das Américas”, afirma Fernando Palamone, um dos sócios da RT One.

A atividade, porém, geraria um ônus ambiental para o território brasileiro. Os data centers adaptados para desenvolvimento de modelos de IA precisam usar refrigeração com líquidos —em geral, uma solução de água e álcool. As plantas mais simples do Brasil usam apenas ar-condicionado e têm menor pegada hídrica.

“A gente brinca com as empresas que a máquina [que trabalha com IA] tem que estar fritando, tem que estar quase 100% gerando aquele calor máximo”, disse o diretor da Nvidia para data centers na América Latina, Márcio Aguiar.

A própria Nvidia dá assistência às empresas para desenvolver o sistema de refrigeração. Funciona como uma serpentina de chope, um líquido frio circula por tubulações flexíveis rentes ao maquinário. Até as placas de computador ficam envolvidas por tubos chamados capilares, de diâmetro equiparável a um fio de cabelo.

De acordo com o diretor de tecnologia da Scala Data Center, Agostinho Vilela, o uso de refrigeração a ar fica inviável quando a dissipação de calor passa dos 50 KW. Como a água é 3.000 vezes mais eficiente do que o ar no resfriamento dos computadores, o volume de fluido necessário diminui bastante.

“Se eu faço uma vazão de ar muito alta no data center, eu derrubaria os computadores”, afirma Vilela. “Nós na Scala estamos há um ano e meio, estudando o tema de refrigeração líquida que é absolutamente pivotal para poder refrigerar os racks de IA.”

Ainda sobre o uso de líquidos, há duas abordagens, uma mais eficiente e outra mais sustentável. A Scala e a RT One afirmam que planejam adotar o primeiro método: um sistema fechado de circulação de fluido.

“Só vai consumir um pouquinho de água para reposição se houver alguma perda em alguma junta, mas é infinitesimal”, afirma Vilela.

A outra possibilidade é usar um sistema aberto, no qual a água evapora em contato com o computador, esfriando mais a máquina. Os data centers de Google e Amazon funcionam dessa maneira.

A Microsoft afirmou que deixou de usar evaporação de água no resfriamento de servidores em novembro do ano passado.

O Google apontou, em seu relatório de sustentabilidade, um consumo de 23,1 bilhões de litros de água em 2023, em uma alta de 17% ante 2022. A Microsoft divulgou que seu consumo global de água aumentou 22% no mesmo período. Ambas as big techs afirmam usar água de reuso e da chuva para reduzir a demanda por fontes limpas.

Embora as empresas de IA encontrem energia limpa e água barata no Brasil, ainda existe receio com o cenário jurídico do país. Empresas de data center já sinalizaram que um marco regulatório estrito demais em relação ao pagamento de direitos autorais pode espantar clientes de outros países interessados em desenvolver tecnologia aqui.

Setores da indústria cultural e da imprensa pleitearam um mecanismo de remuneração no Congresso, que discute o tema, afirmando que as empresas de IA usam as obras publicadas na internet sem autorização prévia do autor.

As empresas ainda reivindicam junto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, do vice-presidente Geraldo Alckmin, um benefício fiscal para baixar o preço final e tornar o serviço brasileiro mais atrativo para as multinacionais.

Visto primeiro na Folha de São Paulo

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