Múmias, reis e animais: conheça o brasileiro que reconstrói rostos históricos e entrou para o Guinness – Entrevista
Estudar crânios faz parte do dia a dia de Cícero Moraes, uma das maiores autoridades na área da reconstrução facial. Essa técnica permite que arqueologistas tenham ideia de como eram faraós e reis e rainhas de tempos muito distantes. Além de entender como foi o passado da humanidade, a técnica permite observar como os seres humanos evoluíram com o passar dos séculos.
Entre as ossadas reconstruídas por Moraes há múmias egípcias, homens neandertais e até mesmo primatas de milhões de anos atrás, que têm o rosto reconstituído pela tecnologia 3D e outras informações, como a altura média de uma pessoa há 4.000 anos e sua constituição física.
Formado em design, Moraes se tornou referência internacional quase por acaso — após um episódio pessoal violento, ele teve um quadro de depressão e ansiedade e se isolou. Foi nesse período que ele começou a aprender as técnicas que utiliza hoje.
Além da aproximação facial, o designer atua na confecção de próteses de rostos humanos, próteses veterinárias — Moraes entrou para o Guinness, o Livro dos Recordes, por reconstruir um casco de tartaruga para salvar um desses animais —, planejamento de cirurgias faciais, reconstrução de cenas de crimes e recuperação digital de patrimônio arqueológico. Ao R7, ele conta como é o seu trabalho.
Como você começou a trabalhar como designer?
Cícero Moraes — Desde muito jovem eu apreciava desenhar, aos 7 ou 8 anos vendia desenhos para os amigos. Então, o que fiz quando me tornei adulto foi adaptar essa paixão e inclinação comercial para a realidade do mercado.
Mas hoje você trabalha com ciência, uma área mais rigorosa. Como você começou a se interessar por essa área?
Eu me interessei pela aproximação facial depois de ser assaltado e reagir, sem arma, a dois ladrões armados, para salvar a família. Fui bem-sucedido na empreitada de colocar os meus em segurança, mas desenvolvi um quadro agudo de ansiedade e depressão. Para vencer essa situação e me reerguer, passei a fazer algo que aprecio, estudar, e o assunto escolhido foi a aproximação facial, que me interessava desde o começo da década de 1990. Depois de um tempo venci tal quadro e, além disso, consegui encontrar nova parceria técnica com uma equipe italiana. Como o meio arqueológico/forense prima pela abordagem acadêmica, me adaptei, comecei a escrever artigos e tomei gosto pela coisa.
O que acontece quando uma equipe encontra alguma ossada?
Geralmente, a equipe digitaliza o material em 3D e me envia junto com relatórios e referências técnicas. Eles me enviam os dados e eu trabalho no meu computador, no conforto do escritório. No entanto, eventualmente viajo até os locais onde o material foi escavado para conhecer os envolvidos e apresentar os avanços in loco.
Como é o processo de sair de uma ossada de um cadáver para um rosto completamente reconstruído? A que detalhes você atenta?
O crânio nos dá muitas pistas de como poderia ser o rosto em vida. O que fazemos é estudar a estrutura de indivíduos vivos e a relação do tecido mole [pele] com os ossos. Daí, quando temos o crânio, utilizamos uma espécie de engenharia reversa, aplicando tais parâmetros estudados para saber como era a face da pessoa.
Quais são as maiores dificuldades que você enfrenta ao reconstruir um rosto ou fazer uma prótese? Você usa ferramentas de inteligência artificial para reconstruir os rostos?
Felizmente a abordagem atual está bem estabelecida, então, não encontramos muitas dificuldades técnicas. Ainda não faço uso da inteligência artificial, mas aparentemente é uma questão de tempo. Veremos.
Você traz dados novos para a equipe que encontrou os crânios após a finalização da reconstrução?
Geralmente, sim, pois estudamos outras abordagens além da aproximação facial, como a mensuração e comparação de estruturas anatômicas.
Você já atuou em diversas frentes com suas reconstruções em 3D, como a criminal e a histórica. Qual seria a área em que você mais presta serviços? E de qual você mais gosta?
Curiosamente, a parte majoritária do meu sustento advém dos cursos que ministro sobre planejamento cirúrgico, pois desenvolvo tecnologia para essa área médica. Tenho alunos de 20 países que utilizam a solução que programo, é uma comunidade bastante ativa que, além de produzir muito material acadêmico, faz algo mais importante ainda: permite que seus pacientes sobrevivam ou mesmo retomem a sua vida de modo pleno. Gosto de todas as áreas que estudo.
Na múmia nomeada Minirdis, como a idade e a descendência foram confirmadas? Como você chegou à conclusão de que ele tinha megalocefalia?
O trabalho de antropologia inicial veio do Museu Field, de Chicago, já a questão da suposta megalocefalia apareceu durante as mensurações de praxe, do nosso estudo. Além disso, outros elementos físicos reforçam o quadro, uma vez que a máscara do jovem teve que ser rotacionada para que o caixão, feito para um indivíduo mais alto que Minirdis, pudesse ser fechado, e mesmo assim não sobrou quase nenhum espaço.
Você também produz algumas próteses para animais. Essa seria uma grande paixão?
Sim, aprecio muito participar de projetos veterinários e ver que as soluções permitem que os animais possam se alimentar de modo independente, ainda que não seja possível retornarem à natureza.
Quais dicas você daria a alguém que pretende trabalhar na área em que você atua?
Sou autodidata, aprendi indo atrás da informação, lendo, estudando e, principalmente, teimando até conquistar o objetivo. A dica seria sugerir ao interessado que faça o mesmo.
Veja a matéria original no R7
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