As gigantes da tecnologia precisam fazer mais para cooperar com as forças de segurança em relação à criptografia, ou correm o risco de ameaçar a democracia europeia, segundo a chefe da Europol, Catherine De Bolle.
A declaração ocorre enquanto a agência se prepara para renovar a pressão sobre as empresas durante o Fórum Econômico Mundial em Davos nesta semana.
De Bolle disse ao Financial Times que se reunirá com grupos de big techs no resort suíço para discutir o assunto, afirmando que as empresas têm uma “responsabilidade social” de dar à polícia acesso a mensagens criptografadas usadas por criminosos para permanecerem anônimos.
“O anonimato não é um direito fundamental”, disse a diretora executiva da agência de aplicação da lei da União Europeia. “Quando temos um mandado de busca e estamos diante de uma casa com a porta trancada, sabendo que o criminoso está dentro, a população não aceitará que você não possa entrar.”
Em um ambiente digital, a polícia precisa ser capaz de decodificar essas mensagens para combater o crime, acrescentou. “Você não conseguirá fazer valer a democracia [sem isso].”
Há muito tempo existe tensão entre as empresas de tecnologia e as forças de segurança sobre o uso de criptografia ponta a ponta em plataformas de mensagens, o que dificulta a obtenção de evidências pelas autoridades em investigações.
Em abril do ano passado, chefes de polícia europeus pediram aos governos e à indústria que tomassem medidas urgentes para evitar que a criptografia prejudicasse as investigações criminais.
Empresas de tecnologia, como Apple, WhatsApp (da Meta) e o aplicativo de mensagens Signal, focado em privacidade, têm consistentemente resistido a esforços legais para comprometer suas criptografias, argumentando que isso ameaçaria a privacidade e a segurança de seus usuários.
A Apple intensificou seus esforços nos últimos anos para cooperar com as forças de segurança no combate ao abuso infantil online e outros crimes. No entanto, tais iniciativas foram amplamente abandonadas devido à forte reação de ativistas da privacidade.
Alguns Estados-membros da UE, incluindo a Alemanha, também têm sido céticos em conceder maior acesso das forças de segurança a mensagens privadas, resultando na estagnação de legislações para combater o abuso sexual infantil.
De Bolle, 54, uma belga que assumiu a liderança da Europol em 2018 e está entrando em seu último ano completo no cargo, também afirmou que gostaria de expandir o uso de inteligência artificial nas investigações da agência e examinar “ameaças híbridas”, como as recentes acusações contra a Rússia de cortar cabos submarinos no Báltico.
Atualmente, a Europol só pode investigar organizações criminosas e deve se retirar se houver atividades criminais em nível estatal, disse De Bolle, acrescentando que uma mudança nesse cenário exigiria novas legislações da UE.
A Europol, que usa seu vasto acervo de dados para ajudar os Estados a combater crimes graves e organizados em áreas como terrorismo, tráfico de drogas e fraude, dobrou de tamanho para cerca de 1.700 funcionários sob a liderança de De Bolle.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse no ano passado que queria aumentar ainda mais a equipe da Europol e fortalecer seu mandato para “torná-la uma agência policial verdadeiramente operacional”.
Além de seu trabalho para os Estados-membros da UE, vários países, incluindo o Reino Unido e os Estados Unidos, possuem escritórios dentro da agência.
De Bolle disse que não antecipava grandes mudanças no relacionamento com os EUA após Donald Trump assumir a presidência neste mês, com base em seu mandato anterior. Os EUA têm cerca de 30 funcionários de diferentes agências, como o FBI, trabalhando dentro da Europol.
Ela afirmou que ainda não se encontrou com a nova administração de Trump.
A Europol demonstrou seu valor no ano passado ao interromper o prolífico grupo de ransomware LockBit, em uma operação que envolveu o FBI e o Departamento de Justiça dos EUA.
A agência também desempenhou um papel importante no combate ao tráfico de drogas na Europa, incluindo a ajuda na decodificação dos serviços de mensagens EncroChat e Sky ECC, usados por criminosos. O acesso às mensagens resultou em uma série de casos criminais e milhares de prisões.
No ano passado, mais de cem pessoas foram condenadas no maior julgamento criminal da história da Bélgica, com base em evidências obtidas pela decodificação do Sky ECC. De Bolle afirmou que mais casos decorrentes da decodificação desses serviços de mensagens ainda estão por vir.
A Europol publicará em março sua avaliação quadrienal sobre crimes graves e organizados que a UE enfrenta, incluindo informações sobre interferências estrangeiras, disse De Bolle.