‘Adolescência’ recria a tragédia e expõe o mal-estar moderno no ritmo certo

Depois disso, em vez de cortes dramáticos e cenas de violência, buscas por provas, tribunais e punições, típicos de um thriller policial, somos colocados diante de algo muito mais incômodo e interessante.
Quando o menino entra no carro, o tempo passa correr em tempo real, mais lento que o do cinema, e fica embaçado e exasperante. Esperando no carro, esperando o corpo de delito, esperando na ala de interrogatório, esperando o advogado, esperando a visita. Tudo acontece no ritmo insuportável de uma repartição pública, como a delegacia.
O curioso é que este efeito de lentidão foi obtido com uma técnica que costuma ser usada para acelerar a ação, ou seja, plano sequência único sem cortes.
Aqui está uma lição que a história do cinema ensinou à psicanálise.
Em “Os Segredo de uma Alma” (1926), Georg Wilhelm Pabst tentou pela primeira vez filmar um tratamento psicanalítico e construiu uma trama complexa, cheia de sintomas, filmada como uma história normal do cinema: fragmentos dos primeiros encontros com o terapeuta, sonhos e lembranças em feedback e intercalações do tratamento e do cotidiano do paciente. E a revelação final, filmada em campo e contracampo, reproduz o diálogo analítico de forma chata e explicativa.
Foi assim também em “Marnie”, Confissões de uma Ladra” (1964) e “Quando Fala o Coração” (1945), de Alfred Hitchcock, “Freud, Além da Alma” (1962), de John Huston, “Um Método Perigoso” (2011), de David Cronenberg, e “Máfia no Divã” (2003), de Harold Ramis.