Há uma conversa crescendo em todo o mundo. O assunto diz respeito aos chamados bens públicos digitais. Só para recapitular, a vida humana seria miserável sem bens públicos (chamados em inglês de “commons”, exatamente por seu uso comum). Uma cidade sem ruas e passeios públicos seria inconcebível. Se as praias no Brasil fossem privadas, seríamos um país diferente (e pior).
Manter a saúde dos bens de uso público, impedindo sua captura ou destruição, é fundamental. Foi exatamente o que mostrou a ganhadora do prêmio Nobel de economia, Elinor Ostrom, cujo trabalho foi dedicado aos “commons”. O mesmo raciocínio vale para o digital. É preciso preservar o equilíbrio entre o privado e os bens digitais públicos.
Nos últimos anos, o digital vem sofrendo um processo acelerado de diminuição ou degradação dos seus bens comuns. Vale lembrar que a internet foi construída a partir de bens públicos como a World Wide Web (www), criada por Tim Berners-Lee e concedida por ele para uso livre de toda a humanidade. Ou ainda, o protocolo TCP/IP, que permite que a internet funcione, também de uso livre comum.
No entanto, nos últimos 15 anos os bens digitais públicos vêm perdendo espaço. Por exemplo, as big techs avançaram sobre espaços e serviços que antes eram comuns. Mais recentemente, as empresas de inteligência artificial estão se fechando, apesar de curiosamente usarem como matéria-prima para treinar seus modelos os dados que estão abertos na internet.
Esse fechamento dos bens públicos digitais está agora provocando reações para reconquistar o espaço perdido. A Índia, por exemplo, decidiu se tornar uma liderança na construção de bens públicos digitais. Criou todo um aparato de serviços públicos baseados em modelos livres e abertos, a começar pela identidade digital chamada Aadhaar (que significa justamente fundação).
O país não parou por aí. Há iniciativas buscando retomar até os espaços pertencentes às empresas de tecnologia. Por exemplo, o serviço Namma Yatri criou uma infraestrutura digital pública para serviços de viagens na cidade de Bangalore. Em vez de pedir um carro por aplicativo de empresa, o passageiro pede direto pela plataforma Namma Yatri (que significa “nosso viajante”). O serviço faz parte da infraestrutura da própria cidade. Em um ano, mais de 15 milhões de viagens foram realizadas.
Outra iniciativa indiana interessante é o MOSIP, uma infraestrutura digital de código aberto que permite a qualquer país criar sua identidade digital. Hoje já são 11 países usando o sistema (dentre eles Marrocos, Filipinas e Etiópia), com mais de 100 milhões de identidades digitais criadas.
E o Brasil? Nosso país não fica atrás na luta pelos bens públicos digitais. Dentre as estrelas locais está o Pix, que revolucionou o sistema de pagamentos. E também o Gov.br, que conta hoje com mais de 70 milhões de usuários avançados.
O Gov.br não só criou uma plataforma para certificação da identidade, mas também um serviço de assinaturas digitais avançadas. Por meio dele é possível assinar documentos com respaldo na lei 14.063 de 2020, com total validade jurídica, e de forma totalmente gratuita, sem a necessidade de se pagar por certificados digitais caríssimos. Mais de 50 milhões de assinaturas já foram feitas pela plataforma, que cresce a um ritmo de 200% por ano.
O Pix e o Gov.Br são algumas das nossas praias digitais. Temos várias outras. Os bens públicos digitais são como na frase do filme O Campo dos Sonhos: “Se você construir, eles virão”.
Já era Internet feita principalmente de bens públicos
Já é Internet dominada por bens privados e opacos
Já vem Crescimento dos bens públicos digitais e leis para dar transparência para plataformas fechadas