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Egamers procuram Justiça para provar vínculo com equipes – 18/01/2025 – Mercado

Daniel (nome fictício) tinha 13 anos quando foi “descoberto” no Free Fire, um jogo eletrônico em que o objetivo principal é ser o único sobrevivente entre adversários que estão no mesmo mapa virtual.

Era tão bom que, no ano passado, aos 16, assinou contrato com uma equipe da capital paulista. Sua mãe não quer que o nome dela seja publicado.

O garoto começou a demonstrar sinais de tristeza. Relatou pressões do técnico que, na frente dos outros, gritava que Daniel não sabia jogar. Após um torneio, há cerca de três meses, ele voltou cabisbaixo e apático. Em uma noite de chuva, chamou a mãe para dizer que a casa em que moravam era mal-assombrada. Foi o começo da avalanche.

Poucos dias depois, Daniel reclamou não enxergar direito. Não conseguia dormir. Os pais o levaram a um hospital no Mboi Mirim, zona sul da capital. Ele não reconhecia os familiares e foi internado. Teve um surto psicótico diagnosticado. A mãe diz ter procurado a equipe em busca de ajuda e só o que recebeu foi consulta online com uma psicóloga. Ficou com a impressão de que a profissional levou a conversa por um caminho para culpar os pais. Foi a gota d’água.

“Meu filho se tornou outra pessoa”, se queixa.

A família resolveu iniciar um procedimento cada vez mais comum entre os atletas de egames: a busca pelo reconhecimento de vínculo trabalhista. O acordo mais comum entre times e jogadores é o contrato como autônomo. Mas, muitas vezes, segundo relatos ouvidos pela reportagem, nem isso acontece, principalmente nas equipes menores.

“Existem muitas decisões pelo Brasil sobre isso. Há sentenças que reconhecem o egame como atividade esportiva. É feito contrato de autônomo e o jogador precisa cumprir horários exaustivos, se adequar a regras. É como no futebol. O normal seria a carteira de trabalho assinada. A Lei Geral do Esporte prevê pagamento de direitos de imagem, repasse de patrocínios pessoais e premiações”, afirma Helio Tadeu Brogna Neto, advogado de Daniel e de outros atletas.

Eles e elas ficam em concentrações, têm rotina superior a 12 horas de trabalho e sofrem pressão psicológica por resultados.

“Esses mercados de games, assim como o de influenciadores digitais, streamers, são novos, e a movimentação de dinheiro é atípica, mas legítima. A Ana Moser [quando era ministra do Esporte] criticou muito a equiparação [do egamer a atleta], mas a rotina desse pessoal é a de atleta. É a mesma coisa”, diz Daniel Chiode, advogado trabalhista e que presta assessoria jurídica a equipes.

Na questão dos jogadores, ele ressalta ser necessário diferenciar os dois tipos de contratos possíveis: o profissional e o amador. Recentemente, ele venceu processo em que alegou, com sucesso, que o atleta poderia ser considerado das categorias de base, para usar um termo do futebol. O pedido de indenização trabalhista foi rejeitado.

“O que vai diferenciar profissional e amador é a remuneração”, diz.

Três atletas relataram à Folha terem tido problemas trabalhistas com equipes. Por isso, decidiram entrar na Justiça. Eles pedem para não terem os nomes publicados, porque são jovens. Temem que a exposição possa prejudicá-los no futuro em uma carreira que se torna cada vez mais lucrativa.

Levantamento do site Esports Earnings aponta que o Brasil foi, no ano passado, o sexto país com maior premiação acumulada nos esports. Foram US$ 52 milhões (R$ 316 milhões pela cotação atual) apenas até setembro de 2023. São quase 5.000 jogadores no país.

A premiação em apenas um torneio pode render para a equipe vencedora até US$ 500 mil (R$ 3 milhões).

Os atletas, especialmente de equipes menores ou em formação, se reúnem em grupos de WhatsApp e trocam orientações do que fazer para garantir seus direitos. Os conselhos são para copiarem telas de conversas por serviços de mensagens. Guardar as provas de promessas feitas por donos ou responsáveis pelos times. Advogados orientam também gravar reuniões em que valores e condições de trabalho são discutidos.

“O atleta não recebe um salário mínimo. É um dinheiro bom. A base para quem joga CS [Counter Strike, uma batalha de tiros], em times medianos, é R$ 5.000 mensais. Só que você começa o treino com os demais jogadores às 11 da manhã e vai até às 20h. Depois, você faz seus treinamentos individuais por mais quatro ou cinco horas”, afirma Lucas Freitas, 27, que já integrou diferentes equipes na carreira profissional.

Ele jogou por seis meses pelo Corinthians e fez acordo para receber seis meses de salários atrasados. A última parcela será paga neste mês. Outras agremiações que, no futebol, integram a Série A do Campeonato Brasileiro, montaram elencos de egames e ficaram inadimplentes.

“Não há cálculo de hora extra ou apoio psicológico. Você tem de lidar com a pressão quando perde. Pressão que vem da organização, de torcedores… Não há um acompanhamento grande como no futebol ou basquete. O cenário egame está começando a se profissionalizar, mas ainda há uma parte bem precária”, completa Freitas.

Mesmo os advogados encontram dificuldades em fazer equipes entenderem os cuidados na elaboração de contratos e no cumprimento de cláusulas. Falta jurisprudência no tema, ressaltam.

“Eles [os times] só se preocupam quando recebem a reclamação trabalhista. Isso [os processos] vai se tornar cada vez mais comum. A questão é até que ponto a precarização das regulamentações não gera essas inseguranças jurídicas. É uma relação precária. O papel é uma mera formalização. Você precisa ver o que acontece de fato. Essa insegurança vai continuar até que venha uma súmula do TST [Tribunal Superior do Trabalho] sobre o assunto”, afirma José Luiz de Oliveira Júnior, que atende empresas do setor.

Visto primeiro na Folha de São Paulo

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