Por trás de redes sociais, ChatGPT e apps bancários estão os chamados data centers (centros de processamento de dados), galpões repletos de supercomputadores, ar-condicionado e serpentinas. Uma única dessas plantas de grande porte pode consumir a mesma energia do que uma cidade de 30 mil habitantes.
Somados apenas os data centers de grande porte em operação no Brasil, o consumo de energia seria quase o de um estado como o Tocantins. Embora não haja dados oficiais, o projeto Data Center Map estima que existam 119 unidades no país, das quais 41 de grande porte, com cerca de 10 megawatts de potência cada uma.
Em um data center da Equinix na cidade paulista de Santana do Parnaíba (a 40 km da capital e vizinha de Barueri), visitado pela Folha, o ronco do motor que faz a internet funcionar é tão alto que é preciso gritar para manter uma conversa.
Num setor basicamente digital, os data centers são a estrutura mais próxima de chão de fábrica. Em unidades como a de Santana do Parnaíba é necessária uma subestação própria para atender a demanda energética vinculada ao processamento de dados.
Ao lado da sede do data center, os fios de alta-tensão da Eletropaulo e de mais dois fornecedores do mercado livre de energia zunem com a vibração causada pela frequência da corrente elétrica.
O consumo de energia fica na mesma ordem do que é gasto em uma fábrica de automóveis, de acordo com o pesquisador o Instituto de Energia e Ambiente da USP José Luiz Romero Brito.
A diferença é que, ao passo que as montadoras investem para otimizar processos e diminuir os custos energéticos, a demanda por eletricidade nos data centers deve subir ainda mais nos próximos anos, por causa da expansão do uso da inteligência artificial.
Programas como o ChatGPT submetem conjuntos de dados a complexas operações probabilísticas que requerem enorme poder computacional. Os cálculos são impossíveis de serem feitos em celulares ou computadores pessoais, por isso, ocorrem em data centers, que estão em uma corrida por se atualizar.
Um gabinete otimizado para IA gasta cinco vezes mais energia do que uma máquina preparada para procedimentos hoje comuns no mercado de TI (tecnologia da informação).
De acordo com o vice-presidente de operações da Ascenty, Marcos Siqueira, há uma demanda crescente das empresas por serviços de processamento de dados, o que aumenta a responsabilidade que os data centers precisam ter para minimizar o impacto ambiental.
Por concentrar diversas placas em um espaço compacto, para permitir o processamento de dados em escala, e funcionar 24 horas por dia, sete dias por semana, as máquinas geram muito calor. Em um rack (estante de máquinas), com 1,5 metro de altura e 70 centímetros de largura, há de 20 a 30 servidores, que equivalem, cada um, a um computador potente.
Para compensar, é necessária forte refrigeração, à base de condicionadores de ar e água resfriada. Um dos desafios do data center é manter a temperatura ideal, entre 15ºC e 25ºC, para que a máquina tenha seu desempenho otimizado, diz Eduardo Zago de Carvalho, presidente da Equinix para América Latina.
“Antes, esfriávamos todo o ambiente, tinha de vestir um casaco para entrar em um data center; agora, passamos a usar um sistema de frio e quente que otimiza o uso de energia”, diz Vanessa Santos, gerente de desenvolvimento na Equinix.
Ela faz referência ao ar frio que resfria o topo dos racks e faz o ar quente subir. Outra técnica é o chamado “free cooling”, que libera o ar quente do data center para o ambiente externo, o que diminui o gasto de energia em até 40% durante a noite.
Para o resfriamento líquido, os data centers costumam usar água de reaproveitamento da chuva.
As empresas também trabalham para conseguir juntar mais chips em um mesmo lugar, o que facilita o resfriamento das máquinas, embora isso localmente aumente a dissipação de calor.
Para isso, há investimento nos cabos que transportam dados —a frequência de transmissão triplicou do ano passado para cá, também para suportar a demanda da inteligência artificial.
Como é um data center
Por fora, um data center parece uma sede de empresa comum, com seus três andares, e janelas espelhadas que vedam o olhar ao interior.
Um centro de processamento de dados costuma ficar protegido por uma entrada com duas portas: cada uma delas só abre quando a outra é fechada.
Além disso, no data center visitado pela Folha, há um corredor de cerca de 15 metros de comprimento iluminado por LEDs vermelhos, onde há um sistema de pressão negativa, para impedir que o ar exterior entre no local em que estão as máquinas.
Para manter a privacidade dos clientes e diminuir o risco de invasão, a empresa não permite tirar fotos do interior do prédio. A reportagem teve de assinar um termo de confidencialidade para poder acessar as instalações.
No primeiro andar, ficam os geradores e tubulações do sistema de data centers. O coração, com as máquinas propriamente ditas, no segundo.
As estantes com os computadores ficam protegidas por grades chamadas de “cage” —gaiola em inglês. Apenas as empresas que alugam o poder computacional têm acesso, e, para garantir isso, são necessárias chaves físicas e biométricas.
“As chaves não saem daqui. O funcionário tem que pegar a chave na portaria e devolver depois”, diz Vanessa Santos, da Equinix.
A ideia é que a invasão de um data center seja tão difícil quanto mostra o filme “Missão Impossível – Acerto de Contas”, em que o personagem interpretado por Tom Cruise mergulha e precisa de ajuda externa para conseguir acessar as máquinas.
A Microsoft, aliás, tem projetos de manter data centers no gelado fundo do oceano, para economizar com resfriamento.
O Brasil é o país em que mais foram instalados data centers na América Latina e o ritmo está impulsionado pela alta demanda por inteligência artificial, pelas demandas legais da LGPD e pela digitalização da economia desde a pandemia de Covid, segundo as empresas do setor consultadas pela Folha.
Só em 2023, o país recebeu 15 novos data centers. Não há, no entanto, dados sobre o número de centros de tratamento de dados no Brasil. O Comitê Gestor da Internet e a Anatel não compilam a quantidade de data centers no país.
No Brasil, os data centers ficam concentrados em quatro polos: São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Ceará. Próxima à capital paulista, Barueri abriga o quinto maior complexo de data centers do mundo.
As duas primeiras escolhas têm a ver com o mercado consumidor, residencial e empresarial. São as cidades que mais consomem internet e tecnologia.
Brasília tem a sede do governo e de grandes bancos como atrativo.
O Ceará, por sua vez, é escolhido por ser a porta de entrada para os cabos submarinos que conectam o Brasil à internet global. Tornou-se também um ponto de distribuição de serviço para as regiões Norte e Nordeste.
Quanto mais próximo o data center fica do cliente, melhor o resultado, uma vez que há um menor tempo de resposta entre o pedido e a resposta, a chamada latência.
Alguns serviços demandam baixa latência para funcionar e incentivam as empresas a distribuir novas plantas pelo território. Um exemplo disso são as novas soluções de automação na indústria a partir de internet das coisas, em que milissegundos a mais na resposta podem resultar em erro.
Os maiores data centers do mundo ainda ficam nos Estados Unidos, na Europa e na China, embora alto consumo de energia e água motive protestos dos vizinhos das indústrias em cidades nos países ricos.
O Brasil tem capacidade de atender a essa demanda por já ter uma matriz de energia renovável e sofrer pouco com desastres naturais, que podem danificar a infraestrutura das plantas.
As maiores empresas do mercado brasileiro, segundo relatório da consultoria americana Arizton, são Ascenty, Equinix e Oscala. As duas primeiras estão construindo novos data centers.
A Ascenty tem 20 data centers no Brasil e construirá mais 6. A Equinix tem 7 e planeja deixar mais 2 de pé —um no Rio e outro em São Paulo. As unidades já concluídas têm possibilidade de expansão e melhorias incrementais.
De acordo com levantamento da revista especializada Data Center Dynamics com 193 gestores de data centers, 64% das empresas na América Latina têm planos de expansão nos próximos 18 meses. O Brasil concentra 40% do investimento da região.
A maior parte (64%) dos respondentes da pesquisa, do início de 2024, planejava investir na construção ou expansão nos próximos meses.
Licitações públicas para contratar o serviço de data centers ficam na casa dos milhões de reais. Em 2022, o município de Salvador gastou R$ 2,7 milhões para hospedar suas aplicações e dados em um centro de processamento de dados.
Esse boom nos data centers busca acompanhar a demanda explosiva por serviços de inteligência artificial generativa, como o ChatGPT.
Ao mesmo tempo, as empresas trabalham em modelos de IA menores, e desenvolvedoras de chips para dispositivos pessoais como a Qualcomm trabalham para desenvolver tecnologia preparada para a IA, com o objetivo de diminuir a demanda por data centers.
“Talvez mais do que uma corrida tecnológica, vivemos uma corrida por eficiência energética para tirar os projetos de IA do papel”, diz Silmar Palmeira, diretor de produtos da Qualcomm para América Latina.