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Empresa do bondinho quer proibir fotos do Pão de Açúcar – 17/12/2023 – Ronaldo Lemos

Na semana passada, escrevi aqui na Folha sobre a importância de se proteger os bens públicos digitais. Vivemos em tempos de “cercamento”, em que espaços que deveriam ser do público estão se tornando privados. É do interesse coletivo proteger esses “commons”. Países como a Índia, por exemplo, têm desenvolvido iniciativas importantes nesse sentido no campo digital.

Qual não foi minha surpresa quando, no dia em que o artigo foi publicado, tive de viver na prática uma experiência desagradável (para não dizer aviltante) desse fenômeno. O ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro), do qual faço parte, foi notificado extrajudicialmente pela empresa que opera o bondinho do Pão de Açúcar.

A notificação demandava que o instituto removesse imediatamente uma foto postada em novembro no Instagram com uma imagem do Pão de Açúcar. Nela era visível não só o bondinho, mas também a enseada, os bairros da Urca e de Botafogo, o morro do Sumaré e outros marcos geográficos da cidade.

A postagem foi feita para anunciar um programa de pesquisa que o instituto faz anualmente chamando pesquisadores estrangeiros para trabalharem no Brasil. O programa é gratuito e a postagem não tem fins comerciais. A foto foi obtida em um banco de imagens, que licencia livremente o seu uso. Nesse banco, aliás, há inúmeras fotos do Pão de Açúcar, todas licenciadas por seus autores para uso livre.

Mesmo assim, a empresa que gere o bondinho não gostou da publicação. A notificação chamou a foto de “parasitária”, “enriquecimento sem causa”, “concorrência desleal” e “emboscada”. Exigia não só sua remoção imediata, como também que o instituto assinasse um Termo de Compromisso bizarro, que nos proibia de fazer “qualquer uso, presente e futuro, de imagens ou quaisquer representações do Parque Bondinho Pão de Açúcar”.

O ITS tem o Rio de Janeiro no seu próprio nome. Teríamos de passar o resto da vida evitando imagens do Pão de Açúcar. Para completar, ao final, a notificação dizia que a empresa ficava “à inteira disposição para conversar sobre eventuais autorizações para o uso da imagem, se isso fosse do interesse do ITS”.

Tudo isso não só revolta o senso comum, como é totalmente contrário ao que diz a Lei de Direitos Autorais. A lei permite expressamente o uso de imagens de logradouros públicos. Seu artigo 48 diz que: “as obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente por fotografias…”.

No caso do bondinho, nem há o que se falar em direitos autorais, já que se trata de um meio de transporte utilitário. Mas, mesmo que houvesse, a lei é clara na proteção dos logradouros públicos como bens de uso livre comum (commons) para fins de representação.

O caso gerou uma reação significativa. A prefeitura do Rio, por meio da sua procuradoria, notificou a empresa para que cessasse esse tipo de demanda abusiva. O debate público que se seguiu é uma oportunidade de aprendizado coletivo.

Notificações como essa têm se tornando cada vez mais comuns. Elas são típicas dos chamados “copyright trolls”, empresas que enviam centenas, às vezes milhares, de notificações, para fazer valer direitos que muitas vezes não possuem. Chamar a atenção para esse fenômeno é uma forma de ajudar a defender nossos bens públicos, físicos e digitais.

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Visto primeiro na Folha de São Paulo

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