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Museu do Computador completa 25 anos sem 95% do acervo – 09/12/2023 – Tec

Uma das primeiras iniciativas dedicadas à preservação da história dos computadores no Brasil, o Museu do Computador completou 25 anos.

Contudo, faltaram motivos para celebrar a data, em setembro: em decorrência da pandemia da Covid-19, o museu foi despejado do espaço de 2.000 m² onde mantinha uma exposição fixa com mais de 25 mil itens nas dependências de uma faculdade em São Paulo —uma complicação que se soma a uma trajetória marcada por adversidades e falta de patrocínio.

O projeto foi concebido por José Carlos Valli, que, nos anos 1970, abriu uma das primeiras empresas de manutenção de computadores pessoais do país. Para testar as máquinas reparadas dos clientes, Valli as colocava nas mãos dos filhos Breno e Bruno, que passavam as tardes jogando.

Na segunda metade dos anos 1990, notou que computadores antigos começavam a ser descartados e, como fez manutenção para empresas ao redor do país, solicitou aos antigos clientes a doação de aparelhos destinados ao lixo.

Em 1998, já com uma pequena coleção de máquinas e boas relações com o empresariado de tecnologia, Valli ganhou um espaço na movimentada feira de informática Comdex, no Centro de Convenções do Anhembi, onde realizou sua primeira exposição.

Em 2000, Valli ganhou do filho de José Vicente Faria Lima, prefeito de São Paulo nos anos 1960, uma coleção de “mainframes” e perfuradoras de cartão das décadas de 1930 e 1940.

“Nesse período, tudo que tinha monitor de tubo já era considerado ultrapassado”, conta Breno Valli, filho de José Carlos Valli e atual responsável pelo Museu do Computador. Conseguiram assim modelos raros da Apple e outras fabricantes. “Eles diziam: ‘Vem aqui retirar esse lixo’”.

Quando a crescente coleção de relíquias eletrônicas avançou da garagem para a sala da casa da família Valli, em Itapecerica da Serra (SP), Dirce, a mulher de José Carlos, deu um ultimato para que o marido encontrasse um local adequado para o acervo.

O dono da uma rede de lojas cedeu ao curador um galpão de mais de 2.000 m² em Interlagos, na zona sul de São Paulo. “Meu pai encheu até a boca”, lembra Breno.

Foi lá, inclusive, que nasceu a primeira exposição fixa do Museu do Computador, que recebeu dezenas de milhares de alunos de excursões escolares —o principal público do museu. Paralelamente, promovia exposições itinerantes no estado, em unidades do Sesc, shoppings e eventos.

Apesar da boa visibilidade conquistada pela cobertura televisiva, que rendeu a José Carlos até mesmo uma entrevista com Jô Soares, então apresentador da TV Globo, em 2005, a instituição nunca recebeu um grande aporte.

Quando o aluguel do galpão em Interlagos passou a ser cobrado pelo proprietário, acabaram tendo de deixar o local. A mudança levou três meses, “saindo caminhão quase todo dia”, lembra Breno.

As peças mais importantes foram para um galpão em Mairiporã (SP), que era de um amigo de José Carlos. O resto, para o despejo da prefeitura, localizado na zona norte da capital.

Em 2009, após conseguir um novo galpão na periferia de Itapecerica da Serra, pago pelo Sindicato de Processamento de Dados e Tecnologia de São Paulo, resolveram reaver os itens que haviam ficado para trás. Seria o começo do tormento na vida de pai e filho.

No início, o galpão tinha apenas uma cerca de ferro, o que deixava os equipamentos à mostra. Breno, que na época morava na capital, recebia ligações recorrentes da vizinha do galpão, alertando de que ele havia sido invadido por ladrões.

Em 2012, Breno já começava a substituir o pai na direção do museu, agora estabelecido na região da Santa Ifigênia, no centro da capital. Passando por dificuldades financeiras, ele se mudou com a mulher para o galpão de Itapecerica.

Se por um lado o ambiente tinha condições insalubres para moradia, por outro, mantinha o empoeirado acervo eletrônico protegido.

Em 2015, Breno e o pai estavam com tudo encaminhado para captar verba para o museu por meio da Lei Rouanet. Contudo, com a alta rejeição à legislação de incentivo em virtude do momento político, as empresas já não queriam mais fazer uso do recurso.

“Quando a gente se aproximava, falavam: ‘Isso agora é sarna, não vamos mais usar isso’”, diz Breno.

Quando o casal conseguiu se mudar de volta para a capital, o galpão voltou a ser assaltado. Dentre os itens, foi roubado um Intellec, um dos primeiros microcomputadores desenvolvidos pela Intel, da década de 1970, com valor estimado por Breno em R$ 90 mil.

A situação se agravou quando Breno e seu pai são pegos de surpresa com uma ordem de despejo. De um dia para o outro, perderam o acesso ao local e passaram a ser pressionados para remover tudo que havia lá dentro em apenas uma semana.



A gente não tinha nem dinheiro para gasolina

Pai e filho conseguiram levar uma parte do acervo para Mairiporã (SP), mas, durante o processo, milhares de itens foram roubados. “Levaram todos os nossos 15 Ataris, todos nossos videogames, MSX funcionando, Dreamcast que eu tinha desde moleque”, conta Breno.

Itens históricos, como um equipamento usado na gravação de um disco do Roberto Carlos e um computador que controlou os semáforos da região central da capital de São Paulo entre as décadas de 1970 e 2000, doado pela CET, desapareceram.

Um acervo de mais de 2.000 caixas de produtos da antiga Brasoft, incluindo jogos e softwares, foram perdidos. Breno estima que 95% da coleção do museu acabou roubada ou destruída. “Ali deveria ter uns R$ 3 milhões em itens.”

Envolvido na criação de um pequeno museu no Instituto de Física de São Carlos, da USP, o professor Guilherme Sipahi afirma que a falta de interesse na preservação da tecnologia no Brasil é um problema cultural e histórico, “herança do nosso passado colonial” e relacionado à ideia do Brasil enquanto consumido, não fabricante.

“Qualquer conhecimento criado aqui é entendido como inferior, não tão bom quanto o importado”, afirma. “Não há uma política permanente de memória e acervo por parte do Estado.”

Nos EUA, o Computer History Museum, localizado próximo ao Vale do Silício, mantém desde 1980 uma forte cultura de valorização e preservação da tecnologia, com apoio e envolvimento de grandes empresas do setor.

“Não recebemos dinheiro do governo. Ele vem da venda de ingressos, locação do museu para a realização de eventos, como a reunião anual de acionistas da Tesla, e doações de pessoas ricas”, conta Dag Spicer, curador sênior do museu.

Com a saúde mental de José Carlos debilitada em função das crises, Breno é responsável atualmente pela direção do Museu do Computador, pensando já em um recomeço: conquistou recentemente uma parceria com a Microsoft, que lhe convidou para montar uma exposição em seu escritório na região da Vila Olímpia, em um espaço dedicado para demonstrar inovações e receber parceiros e clientes.

“A parceria é resultado de nossa convicção de que a preservação da história da informática no Brasil é vital para compreender o presente e orientar o futuro, em tempos de tantas transformações, como inteligência artificial e computação quântica”, diz Christiano Faig, porta-voz da Microsoft para imprensa no Brasil.

A companhia também deu a Breno acesso a equipamentos de áudio e vídeo de última geração para a gravação de um videocast do museu.

A ajuda, que pode trazer novas oportunidades e um aporte ao Museu do Computador, elevou a autoestima de Breno. “Agora, com um acervo menor, vou conseguir mais coisas do que quando tínhamos um acervo maior”, disse.

Visto primeiro na Folha de São Paulo

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